Palavras novas e velhas

sábado, 26 de junho de 2010

Os outros


Os homes vivem eternamente constringidos polo medo, de tal jeito que um nom sabe se vivem realmente ou se aguardam ocupadíssimos a morte sem nem sequer reparar nela. Dizia o poeta que “vivir es ir muriendo”. O medo é a alma mesma. Temos medo a deixar de ser crianças e enterramos na crisálida da adolescência o conceito – ideia disso que nunca fomos. Temos medo a olhar para a realidade e enxergamo-la apenas literaturizando-a nos nossos cérebros de empréstimo.


O medo é a alma mesma. Medo a hoje, medo a manhá, medo a sermos nós próprios, medo a nom sermos na morte. As religions som a morfina do cancro de pavor. Levo já quase toda umha vida escapando do sona da razom, entre monstros e sombras pretas e magnánimas. Como Goya, como Poe, na impertérrita espiral de gigantes nemovermes atabacados.


Do teito pendura umha luz e vê-se um quadro velho na parede dum branco apagado pola película das humidades invernais. Um moço e seu pai sorrim com umha maçaroca na mao e por trás o verde das altas canas de milho ainda sem escimar dam ao conjunto um toque de exuberáncia frondosa e mística. Mas o quadro que contem essa fotografia nom di nada. As fotografias som a arte do pobre e encarregam-se de fazer perenes images do mais fútil nas nossas vidas. Nada nos dim da relaçom entre esse moço e seu pai, dos seus medos inconfessados nem das suas fobias. Deveriam existir fotógrafos da palavra, mas já é grande o medo dos homes à fotografia como para atrever-nos a tanto. Quando as fotografias dumha comunidade numha época concreta se juntam até semelha que as palavras saem desses marcos acereijados e que as roupas, os gestos e as miradas falam o que nengum livro de história pode contar-nos. Deve ser cousa do demo ou matéria de poetas que captam a essência do mundo lá onde o filósofo e o físico viram as costas.


O home nasceu para a grei, para suspirar polo onte enquanto imagina passivo o manhá. Do hoje nom se decata porque lhe foge como areia entre os dedos. Só alguns, os mais desgraçados e infelizes, vem o manhá nos sonhos. É terrível lembrar-se dos sonhos em cinemática eterna e inquisitorial que nom para de interrogar-nos. É ainda pior interpretá-los como José com o faraom. As fotografias chegam a ser falsas porque o que as contempla penduradas dum naco de parede só pode olhar nelas, as mais das vezes, frivolidade e hipocrisia de famílias imaginadas que nunca existírom... Os sonhos, em troca, som retratos íntimos do que somos e a diferença dos nossos outros excrementos nom podemos tirar da cadeia para atirá-los ao fundo dum sumidoiro qualquer, porque som espectros dessa personalíssima cloaca em que assenta um artificioso e falso ego criado por requintadíssimas convençons sociais.


Só os mortos deixam de sonhar se é que realmente descansam em paz. Eu já nem diferencio o sonho da alucinaçom neste meu mundo de realidade virtual. Esperto no meio da noite, tento berrar sem que saia a voz dumhas paralisadas cordas vocais. O home tem mais medo a que ninguém o ouça do que aos próprios medos, por isso o bom salvage nom é mais do que isso: um formoso mito burguês para crianças – velhas. A vigília e o sono entrelaçam-se. As figuras dos sonhos passeiam polo quarto entre as tebras. O coraçom encolhe-se. O corpo em posiçom fetal, aguarda a que alguém o toque para que revente esse comboio de corda... Os olhos fam força para nom abrir-se e enfrentar-se ao real.


A razom refuga analisar que é no fundo esse grande medo que me espanta. Nom é nada. Quê que é essa figura gigante que chama por mim com a sua atroadora voz que impede poder laiar-me com a minha própria voz? Como criança temerosa acendo a luz para escorrentar as sombras enquanto arde a lámpada de 60w do meu quarto. Nom olhes debaixo da cama. O milho segue verde e o meu riso congelado é parte dum gesto esquecido na crisálida de criança. Esse nom és ti.


Meu deus! Ou enfrento isto ou é a fim! Ou venço estas sombras, esta sombra criminosa, ou eu próprio me esvaeço succionado a um incerto e desconcertante poço- negro. Somos escravos dos nossos medos e por isso nos encadeamos aos demais. A valentia é a mais fingida das expressons humanas. Jogamos a deuses sem passarmos de bezerros de latom. Nom abras o armário.


Um dia, outro dia. Hoje nom se prenderá a luz. Amarás ao teu pai e a tua mai. Estou sentado numha cadeira qualquer. No protótipo mental de cadeira. Na cadeira abstraída de entre todas as cadeiras do mundo, na cadeira irreal com a que toda via olho e identifico toda as cadeiras rurais. Pensa em cadeira. Quatro patas. L. Madeira. 0 e 1. De frente um home negro dá-me a escolher entre umha pílula azul e outra vermelha. Entre a morfina e o Morfeu, entre sonhar esperto ou espertar sonhando. Hesito e suo, com a condensaçom pola janela entra apenas umha mancha de luz da rua. Vejo novamente o grande monstruo e começo a fotografar a sua contorna e compondo o creba – cabeças reconheço a sua voz. Olha ti que era. Tenho medo.


A azul ensina-me um grande carro desportivo dalgum anúncio. Quiçais o carro oficial do Mundial de futebol da África do Sul 2010. 0 e 1. Sai umha VISA que converte um home magro e grosso num ídolo polo que todos torcem, tal o deus Cristiano, tal o deu Marx. O Groucho Ronaldo, claro. A mulher – conceito de que todos os homes se namoram sem nengum casar-se nunca com ela – porque é a cadeira protótipo que só existe na abstracçom – senta ao meu carom no carro. Eu chamo o carro por ruas nunca navegadas em que campam os novos e grandes prédios, onde todos olham a garota e o carro com a inveja de ver um triunfador. Era um escravo a um carro colado. Eram caixas russas superlativas. Com certeza o azul é a pílula da razom, da vigília, do sucesso... a que me sandará de premoniçons, alucinaçons e sofrimentos. A que substituirá o medo e a noite pola luz, o balbordo, o colesterol e o frenético decorrer dumha vida vivida numha TV.


A grande massa emerge agora nítida e puxa ao home negro. A azul cai. 0 e 1. Volvem as sombras, xoto com suores a terrível dor de comprovar quem é o monstro: som eu, eu mesmo, só eu; em sonhos som o meu próprio pesadelo, o meu mais terrível medo... como é possível? Quê é que me causa perder a consciência e a razom? Por quê é que eu mesmo chamo por mim próprio? Talvez haja umha parte de mim por acaso que ainda nom nasceu porque o ditamem dos outros lhe impede florescer?


O pano cai. Acordo cedo com a primeira raiola de sol. É véspera do solstício de verao. As nuvens fôrom-se do céu e a chuva remeteu. Retomo compulsivamente as folhas deste diário no limbo e a confusom do real e o imaginado. Cheira a sol em todas as janelas do mundo. Desconheço-me. Procuro nos meus escassos livros algum de psicologia freudiana. Rem se achega as minhas misérias nem remotamente. Nom me lembrava de dormir tam bem em anos.


Todo está em orde, na mesa-de-noite um pacote de lenços, o caderno e umha caneta. Por trás umha foto dum dia importante para mim. Na parede um quadro da Liberade de Delacroix, a única possessom que me fica após arder os livros, sorri com concupiscência. Sinto-cho bem amiga, daquela nom havia carros último modelo nem príncipes azuis coma mim. Ceivo umha gargalhada escandalosa, compulsiva e nerviosa. Sayonara baby. Mamá bate na porta e chama por mim forçando a voz para passar por cima da do televisor. Ergue. Vamos. Hoje é o primeiro dia de escola. Já, nom quere que eu, digo os outros, cheguemos tarde. O rapaz abandona o quarto, no chao umha maçaroca ainda verde e fresca fica esquecida.


2 comentários:

Raquel disse...

Muito interessante o seu texto. Apesar da diferença da grafia e do léxico de algumas palavras, em relação ao português, pude entender o texto em sua maioria.
São longos os seus textos. Percebi porque o meu pequeno texto o incomodou =]
Obrigada pela referência de Proudhon, q eu não conhecia. Lerei.
Conhece o código de hamurabi? é bem interessante tbm: http://www.cpihts.com/PDF/C%C3%B3digo%20hamurabi.pdf

um abraço

Xan disse...

Somos educados no temor para ser máis débiles e por conseguinte máis manipulables. Non se nos permite ser individuos plenos, capaces de tomar as nosas propias decisións. Incúlcasenos un medo a nós mesmos e tamén ao diferente ao descoñecido para lograr que sempre camiñemos por carreiros xa coñecidos polo poder.
Un saúdo