Palavras novas e velhas

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Homero, a ágora, os hilotas e as moscas

Este artigo é umha versom que serviu de base ao discurso de formatura de filologia galega o passado 23 de Abril, de aí a sua forma.





Encenamos hoje simbolicamente o termo das nossas respectivas licenciaturas e achegamo-nos um pouco mais a pôr os nossos conhecimentos e capacidades ao serviço da sociedade, devolvendo assi à cidadania o que nós recebemos através da universidade pública. Dizia Castelao “non lle poñades chatas â obra namentras non se remata. O que pense que vai mal que traballe n'ela...” e, efectivamente, a formaçom é um processo que longe de rematar com a obtençom dum título nom fai mais do que começar.


Porém, nom é menos certo que hoje é o momento de “volver la vista atrás” e recapitular enxergando um bosquejo sobre algumhas questons que rodeárom estes cinco anos em que se envolveu a nossa etapa formativa. Deveriamos começar por afirmar que a vida académica nom som apenas as classes, as investigaçons ou as rotinárias juntas de Faculdade ou de Deparamento. O bom funcionamento dumha universidade pública requere tamém actos onde conjuntamente o alunado, o professorado e os PAS podam repensar, reflexionar e baixar a ágora para dilucidar qual é a situaçom dumha instituiçom que por força reflite as tensons dialécticas da cultura, mas tamém da sociedade, da economia e da política que transversalmente afecta ao conjunto de toda a cidadania.


Fai algum tempo aparecia nos EUA um livro com um título demoledor: Quem matou a Homero? É evidente que os pensares que o livro debulhava se ligavam intimamente com a preocupaçom compartilhada por muitos de que a universidade se encontrava em crise, nomeadamente as ciências sociais. Sem restar valor nengum as disquisiçons deste ensaio torna-se palpável que estas crises se inserem numha crise muito mais ampla: a crise da vida social, ou até da crise do sistema-mundo, em expressom de Wallerstein e de todos os seguidores de Fernand Braudel, ou seja o preámbulo da queda do relativismo, do individualismo e o narcisismo extremos sancionado por leituras pós-modernistas para nada inocentes.


Um dos piares destas crises estruturais nom só é a morte de Homero, quer dizer a queda do pensamento crítico, mas tamém a morte paulatina do espaço onde esse pensamento tem que, por força, desenvolver-se para poder avançar. A destruiçom da ágora, a mercantilizaçom da res pública ou, por outras palavras, o retrocesso da esfera pública desde a década dos setenta quando os dogmas acientíficos do ultraliberalismo, a denominada polo professor Tugores “vingança das elites”, se propujo pôr fim à democratizaçom da ensinança em geral e a educaçom superior em particular que se iniciara em Ocidente após a derrota dos fascismos em 1945. Vaia por diante que a conclusom evidente de todo isto é a conversom dos cidadaos em hilotas, em súbditos, mediante o saqueio e a espoliaçom do património público, como expressou atinadamente Antoni Domènech, introduzindo critérios de mercado e de lucro privado na gestom dos serviços públicos.


Esta espoliaçom liga-se com umha outra espoliaçom nom menos traumática, a do património natural. Estes dous espólios tenhem um comum denominador: a exclusom das maiorias sociais de recursos aos que antes podiam aceder livremente – publicamente – sem outra exigência que o da cidadania, para maior abastamento das forças globais de mercado e as poliarquias que garantem o direito ao rodopio infernal dumha exclusom ininterrupta. O povo já nom é, se é que algumha foi, quem mais ordena.


A morte de Homero nom é apenas como apontam alguns o retrocesso das humanidades perante as ciências experimentais. A investigaçom teórica fundamental em qualquer ciência nom pode escravizar-se sob os parámetros de custo-benefício, já que é impossível determinar previamente qual é o custo para obter esse bem informativo desejado. Por exemplo, a célebre teoria geral da relatividade nom tivo até fai apenas uns anos a menor aplicaçom prática e ainda hoje só é usada para construir localizadores GPS.


Sempre ficará para estes casos, claro está, recorrer a infame socializaçom das perdas. No entanto, nos EUA a constriçom da investigaçom e já um feito inegável. O keinessiano prémio Nobel em economia de 2008, Paul Krugman, alertava sobre isto recentemente num artigo intitulado “O estadounidense inculto”, onde indicava que a outrora exemplar educaçom superior ianque tinha hoje uns níveis de licenciados por baixo doutros países desenvolvidos, pola exigência de serem estudantes a tempo completo e pola queda económica dos colégios universitários que permitiam estudar às pessoas com menos recursos. Porém introduzia um outro aspecto nom menos rechamante: o despedimento de milheiros de professores.


Noutra reflexom de Krugman sobre a escura ciência económica afirmava que, em todas as ciências, era palpável o retrocesso do espaço público perante o privi-legium em estrito sentido etimológico, ou seja, a lei privada, a conversom da ciência pública em ciência religiosa que despreça a soberania dos feitos objectivos, pública e intersubjectivamente observáveis; chegando ao esperpento de tentar medir as variáveis empíricas conforme à teoria e nom ao revés.


Como nos lembra o catedrático Doménech “a ciência moderna – como o direito republicano moderno – nasceu e prosperou quando se liberou o espaço público suficiente da tirania dos interesses e das razons privadas”. Bertrand Russel indicava a este respeito que quando duas posturas se confrontam nom hai nada objectivo ao que apelar, nada independente dos interesses privados, e que em ausência dum espaço de deliberaçom público o único que fica é apelar à força. Efectivamente, teorias maquiavélicas como as de Fukuyama parecem indicar que para ser um bom científico cumpre ser El rey de la selva.


Nom estaria por demais lembrar que só treze anos após o apontado por Russel saltava à palestra o superrelativismo do fascismo da mao de Benito Mussolini. Precisamente, o textos em que Mussolini despreza as categorias fixas e a decadência do “mito da ciência” foi passado entre os alunos de Domenèch, tirando-lhe a palavra fascismo, e cuidavam que era um texto dalgum pós-moderno francês ou norteamericano.


Nicole Gohlke e Janine Wissler analisavam as conseqüências da Declaraçom de Bolonha após dez anos na Alemanha. E desde a retranca falavam de “um mundo (universitário) feliz” - jogando com o título do célebre romance de Aldous Huxley. A ensinança superior tornou-se umha fábrica da aprendizage onde pioram substancialmente as condiçons de estudo e trabalho: salas ateigadas, menos professores (1.500 praças menos em rigor) e umha excessiva pressom sobre o rendimento com um excesso de exames, contróis de assistência e titorias cujo resultado é “umha aprendizage bulímica” em que se memorizam dados e mais dados para logo vomitá-los no exame; e cujo resultado som uns licenciados anoréxicos. Diriamos aqui, entre nós, passou o dia e passou a romaria, nom si?


Para as autoridades germanas o fracasso do modelo Bolonha explica-se simplesmente como um “problema de aplicaçom”. Nega-se, daquela, que em coordenadas da república da investigaçom científica, o Plano Bolonha vem a revelar-se como a consagraçom dum modelo que progressivamente desafiunça e esbaleira de conteúdo a ágora académica tornando ao estudantado em consumidor dum produto e nom em depositário dum conhecimento geral. Esquece-se deliberadamente o letreiro que adverte na república as razons privadas do seguinte: lasciate ogni speranza voi ch'entrate.


Neste sentido, é traumática a progressiva queda dos conhecimentos departidos, a artificial e total separaçom entre as diversas ciências sociais como se de compartimentos estancos se trataram e que trai consigo umha teórica especializaçom que nom alcança para agochar a ideotizaçom – no senso etimológico da palavra- da sucessivas fornadas de licenciados – de aqui para a frente graduados –, que som observados tam só como “recursos humanos”, ou seja, como umha mercadoria mais sobre a que rije a Lei da Oferta e a Demanda e, portanto, que caminha para umha inevitável precarizaçom, polo aumento da reserva de força de trabalho, e que exigirá a realizaçom de custosos masters – alguns por certo ilegais polo seu carácter retroactivo sobre os licenciados como o Máster de Secundária – e, na prática, o prolongamento dos estudos, o endividamento do estudantado, a progressiva elitizaçom do ensino, und so weiter como engadira o poeta germano Lenau a meado o século XIX.


Karl Marx assinalava no primeiro volume de O Capital “o divórcio das forças espirituais a respeito dos processos de produçom do trabalho manual e da transformaçom do mesmo em força do capital sobre o trabalho”. Com menos lírica parece evidente que o que agora se procura é umha massa maleável de licenciados recortados polo mesmo padrom para adaptar-se à flexibilidade laboral sobre o que Gerardo Díaz Ferrán e Adolfo Domínguez sentam cátedra desde o binómio político – mediático. A prémio Nobel Elinor Obstrom respondeu quando lhe perguntavam pola sua “heterodoxa” ciência económica que ela fazia económica política, umha labaçada a mais de um século de impostura científica onde a predicaçom “política” começou a desaparecer de todas as ciências sociais, até da sociolingüística, que deveria ser em rigor lingüística política, toda vez que a lingüística já é social, em tanto em quanto a língua é um produto social natural. A conseqüência foi a defragmentaçom quixotesca da ciência social clássica para idiotizá-la tam inecessária como infertilmente. La razón de la sinrazón que a mi razón se hace, de tal manera mi razón enflaquece, que con razón me quejo de la vuestra impostura, parafraseando a Cervantes.


A famosa e abstracta Declaraçom de Bolonha, aplicada mui desigualmente em cada país, vem na prática a confirmar que, aquel texto tingido de vernizes positivos e esperançadores para fazer dumha vez umha reforma universitária a fundo e europeia, é um dos prolegômenos, quando nom o corolário, dumha ameaça cultural de primeira orde para a sobrevivência da investigaçom científica, onde a privatizaçom parcial mercantiliza o conhecimento e, politicamente, deve ser olhado pola sociedade civil como um saqueio, umha exclusom dos bens públicos a prol dos interesses privados.


Conviria por igual perguntarmo-nos por quê é que se a convergência e a homogeneidade som tam óptimas Medicina, Arquitectura e diversas engenharias clássicas ficam afora do processo; por quê é que se exacerbou a heterogeneidade entre os diversos planos de estudos das diversas universidades espanholas (por exemplo, filologia galega na USC, galego – portuguesa na UCD e galego – hispánica em Vigo); por quê para direito se alude um carácter marcadamente nacional que parece nom operar nem na história nem na economia; e, sobretodo, por quê umha declaraçom que nom vincula juridicamente aos estados se está aplicando freneticamente e à toa. Écrasez l'infâme lembraria-nos o Volteire desde o seu exílio em Genebra. Mádia a leva.

A Declaraçom de Bolonha, torna, em fim, de raivosa actualidade aquel opúsculo de Jonathan Swift de 1733: A arte da mentira política e impom-nos aos educadores do futuro umha meta concreta: a assunçom de que o velho lema da Ilustraçom SAPERE AUDE, difundido por Kant que o resgata de Horácio, deve ser o valor primordial assumido por qualquer aluno ainda por cima da aprendizage de normas e demais convençons ortográficas e fonéticas mais ou menos enfastiante. Alia iacta est. A nossa missom é garantir que nunca se repita aquela lámina do álbum Nós de Castelao: “só sonham quando dormem”.


Já para rematar nom estaria por demais lembrar que nesta dialéctica, entre a res pública e o privi-legium, se insire o novo decreto do galego e a nova estrategia da glotofaxia da caverna celtibérica. Os mesmos que clamam contra a politizaçom da língua subvertem o carácter social univóco da linguage argüindo que nom existem direitos colectivos, mas apenas o privi-legium. Politizam a língua e ainda se atrevem a dilucidar que devem decidir os pais individualmente a educaçom colectiva e pública dos seus filhos.


A prédica canibal do bilingüismo equilibrado nasce da lógica do livre mercado ultraliberal aplicado às línguas: umha língua A e outra língua B competem em desigualdade de condiçons num mercado sem aranceis nem proteccionismos e os oprimidos devemos aguardar a que a mao invisível do mercado o regule todo. Claro que esta ideologia perversa do nacionalismo lingüístico espanhol, que tam lucidamente denunciou Moreno Cabrera por certo, comporta-se bem diferente quando é o inglês o que ataca os territórios do império em muletas em Puerto Rico. O Made in China nom está de moda, o chauvinismo mais ranço e retrógrado disfarçado de constitucionalismo está em voga.


Desta volta o verniz para que traguemos o anzol de algo infumável é o inglês, em aras dum cosmopaifoquismo requintado e exangue. Nom devêrom ler aquilo de Joám Vicente Biqueira: “A pessoa cosmopolita é aquela que nada humano lhe é alheio, nom aquel que até a sua terra lhe é estranha”. Expressara-o Publio Terêncio Africano “Homo sum, humani nihil a me alienum puto” na obra O inimigo de si próprio. Claro que face o humanismo sempre hai por toda a parte um Clinton para nos responder the economy, stupid!

Remato, pois com umha música já que hoje é um dia fasto dentro dumha conjuntura nefasta. A pouco do aniversário da Revoluçom dos Cravos nom perdeu vigência aquilo que cantava o Luís Cília, “ É sempre a mesma melodia: / o Salazar e a sua democracia;/ com Caetano é a mesma porcaria: / as moscas mudam, / só a merda não varia”.



2 comentários:

Xan disse...

O máxima dos poderes que controlan o escenario mundial, a pesar das experiencias aínda recentes é a expresión de que o libre mercado regúlao todo por se mesmo; desde o valor da forza do traballo, ao valor dos alimentos, as enerxías, a privatización de todos os servizos públicos, nalgún sitio ata as prisións, os estudos que debemos realizar, disfrazando os seus intereses coas necesidades da sociedade. Realmente o que sucede é o contrario. Privatízanse as ganancias e socializanse as perdidas, o libre mercado é outra mentira, ese mercado esta en mans dos monopolios que son os que realmente moven os fíos dos políticos que en teoría eliximos. Recádanse impostos as clases traballadoras con nóminas que se utilizan para engordar as fortunas dos de sempre mediante a corrupción e as axudas publicas a medios de produción ou servizos privados. Así nos vai, e non ten ningunha pinta de que as cousas vaían trocar.

AFP disse...

Completamente de acordo com todo o que dis, só engadiria aquilo do Gramsci: contra o pesimismo da razom o optimismo da vontade. Saudaçons fraternais.