Antom Fente Parada, 6-6-2011
Wäre es da
Nicht doch einfacher, die Regierung
Löste das Volk auf und
Wählte ein anderes?, Bertold Brecht: “Die Lösung”.
Dizia Gramsci, ao analisar a análise da arte que se dava no livro Ensaio Popular de Lukács, que o juízo o oferecido do Prometeu de Goethe era superficial e e extremadamente genérico, dando a impressom, segundo o filósofo italiano, de que Lukács desconhecia tanto a história do mito de Prometeu na literatura mundial antes de Goethe como o seu tratamento em tempos do próprio autor alemám. António Gramsci perguntava-se como é que se podia distinguir entom o que era estritamente pessoal de Goethe do que é representativo da época e dos seus grupos sociais sem recorrer à filosofia da praxe.
Marx e Engels viam a força como a parteira do progresso histórico e aí enquadra-se a sua ligaçom com a ditadura do proletariado (logo reinterpretada polo leninismo) e o terror no sentido robespierriano. Também existia certa dose de apocalipse nas suas teorias quanto subestimárom a capacidade de regeneraçom do capitalismo e viam a chegada do socialismo (o paraíso) como algo iminente. Este tipo de pensamento existia já no materialismo judeu-cristao, mas agora mudava-se a promessa do paraíso no céu pola promessa dum paraíso na terra. Entom, como acontecia no cristianismo com a vinda do Messias, aqueles que se opusessem ao avanço do comunismo seriam também esmagados algo que sublinhárom os bolcheviques e demais representantes do marxismo menos romántico e mais modernista, mais autoritário e menos libertário.
Prometeu é o herói que se enfrenta aos deuses em nome do progresso da humanidade, por isso é um gigante. Marx e Engels seguírom a Maquiavel na rejeiçom da moralidade como princípio para a acçom e abraçárom princípios científicos de análise e recomendaçom como parte do legado do Iluminismo europeu. Já David Hume ou Voltaire tinham criticado com força a superstiçom e o preconceito e a ciência foi-se erguendo como religiom substituta (até ser a religiom do poder nos nossos dias onde os “expertos científicos” sancionam através da mídia as decisons do poder sem que exista “alternativa” e passam por cima dos, teoricamente, representantes da cidadania).
No entanto, como no se vê no conto de Ferrín “A noite no chao” em que se analisa a alienaçom social e como os oprimidos se negam a serem libertos, Marx e Engels negárom-se em redondo a idealizar os pobres e oprimidos como faziam muitos socialistas da época. Sempre que falavam das massas atribuíam a responsabilidade de todas as falhas e deficiências às classes governantes. Elogiavam o “proletariado” como classe e afirmavam que o capitalismo desviara os seus membros do caminho da verdade e da racionalidade, alienando-os. Nom conheciam o lume sagrado que lhes trazeria Prometeu, o marxismo. De facto, Lenine – os bolcheviques faziam umha interpretaçom em extremo autoritária e simplificativa em muitos aspectos das ensinanças de Marx e Engels– apelou à “guerra civil europeia” entre a burguesia e o proletariado do continente e Trotski sublinhava a necessidade da revoluçom permanente (ergo mundial).
Destarte, o marxismo procurava criar um homem novo, livre dos hábitos do passado, purificado pola acçom do lume prometeico. Em 1831 Eugène Delacroix apresentou no Salom de Paris da Academia de Belas Artes o seu quadro O 28 de julho de 1830: a Liberdade guiando ao povo, em que represenava o primeiro levantamento importante na Europa desde 1789. A pintura punha de relevo a aliança entre burgueses e proletariado que se produzira na Revoluçom francesa e ao contrário que os Horácios de David punha em destaque sobretodo os pobres e os operário e nom os burgueses. Se David pertencia ao neoclassicismo, Delacroix era um pintor resolutivamente romántico e seria um prometeu alemám, Karl Marx, o que preconizaria dum jeito incondicional a violência revolucionária através dumha nova política: o socialismo.
Na Rússia pré-revolucionária tivera muito efeito umha obra de Nikolai Chernishevski publicada em 1863 e intitulada Que fazer?, que, ao igual que o legado de Rousseau no prévio a 1798, promulgava entre a mocidade da época umha alternativa à sociedade russa da altura caracterizada pola hierarquia, a subvordinaçom e a divisom social. A isto opunham o homem novo e a liberdade. As personagens de Chernishevski fôrom satirizadas na obra Memória do subsolo de Dostoievski, publicada em 1864, mas esse nom era nem muito menos o sentimento que prevalecia na mocidade e Que fazer? Converteu-se numha sorte de Bíblia, a pesar da sua obscura redacçom para sortear a censura e da sua escassa feiçom literária, para geraçons enteiras do estudantado radical russo.
Precisamente foi Vladimir Ulianov, Lenine, quem adaptou o socialismo de Chernishevski ao mundo moderno e o marxismo modernista da Segunda Internacional às condiçons de Rússia e a diferença do seu irmao anarquista, Aleksandr executado em 1887 na forca, nunca foi um socialista utópico ou romántico.
A alegoria mais útil para entendermos o comunismo é, no entanto, a que provem da tragédia clássica ateniense do século -V. As tragédias gregas, como é bem sabido, mostravam em forma dramatizada um conjunto de transiçons fundamentais na sociedade humana: da ordem hierárquica patriarcal a umha comunidade fraternal e igualitária; dumha sociedade aristocrática de reis guerreiros como a de Homero a umha outra mais “democrática” em que todos os cidadaos varons participavam da política e luitavam como iguais no exército popular; e dumha sociedade de clans e feudos – as gens de que fala Engels em A origem da família, a propriedade privada e o Estado– a outra integrada sob o império da lei. A trilogia sobre Prometeu, atribuída a Esquilo, oferece umha dramatizaçom especialmente chamativa da transiçom da ordem patriarcal à fraterna e do atraso ao conhecimento, à modernidade.
No Prometeu encadeado de Esquilo, a primeira parte a trilogia e a única que se conserva integramente, destacam quatro personagens. Cratos, personificaçom masculina do poder e da força (cratos em grego significava poder), e a sua irmá violenta Bia servintes do tiránico pai dos deuses Zeus. O mensageiro Hermes e Prometeu (literalmente “previsor”) que é mostrado dum jeito muito positivo como ser racional ao que a intransigência do poder, de Zeus, e a covardia de Hermes transformárom num rebelde colérico. Prometeu está disposto a enfrentar-se a Zeus ainda quando isso signifique o emprego dumha terrível violência. Trata-se entom dumha magnífica amostra da tensom entre hierarquia e tradiçom face a igualdade de modernidade. Nom é causa de surpresa que o Prometeu heroico mas colérico de Esquilo se erigira como símbolo da emancipaçom para poetas opositores das monarquias europeias, desde Goethe até Shelley. No entanto, foi Karl Marx quem adoptou mais plenamente a metáfora vendo-o como santo e mártir mais eminente do calendário filosófico. No adro da sua tesinha de doutaramento, “Diferenças entre filosofia natural de Demócrito e Epicuro”, citava o seu herói: «Em poucas palavras, odio a todos os deuses... Melhor estar encadeado a esta peneda que escravizado ao serviço de Zeus».
No entanto, com o leninismo, vemos como umha vez que o comunismo autoritário chegava ao poder abandonava as suas ambiçons románticas e advogava pola tecnocracia e o fervor revolucionário. O marxismo modernista, face o marxismo romantista, era umha ideologia tecnocrática do desenvolvimento económico baseada no “saber fazer” dos mais expertos – e na vanguarda–, nos planos centralizados e na disciplina. O desejo quase religioso dos bolcheviques de transformar a sociedade e a sua visom maniqueia do mundo onde alentavam os elementos mais repressivos e violentos do velho mito, dariam como resultado umha política muito diferente da proposta e aplicada por Marx e onde se “redimiria” ao oprimido contra a sua vontade aplicando umha violência parelha, senom maior por vezes (como com Bèla Khun ou Pol-Pot) da do capitalismo.
Vsévolod Pudovkine no filme A fim de Sam Petersburgo apresenta a revoluçom como umha força modernizadora através da vida dum camponês, com o que o autor queria sublinhar que os camponeses também podiam modernizar-se e converterem-se em revolucionários, isso sim, sob a batuta da direcçom bolchevique. De facto, fora Lenine quem tentara junguir o marxismo revolucionário e o modernismo através do partido de vanguarda “de novo tipo” porta-voz da revoluçom e a modernidade. O filme de Pudovkine demonstra o muito que virara imagem da revoluçom desde os dias de Delacroix e a hegemonia, em sentido gramsciano, do marxismo modernista entre os revolucionários do mundo especialmente a partir de 1917.
Em 1913 aparece o romance simbolista Petersburg de Andrei Bely num cenário bem diferente aos de Dostoievski e Chernishevski. Ambientada em 1905, Petersburgo fai palidecer à Aúria descrita por Blanco Amor em Xente ao lonxe e que é a primeira incorporaçom do proletariado à literatura galega. Bely apresenta-nos umha cidade que ferve rodeada por «um anel de fábricas com muitas chemineas» desde a que se sente o som revolucionário do proletariado. Dez anos depois, em 1923, aparecia Cavalaria vermelha, umha serie de relatos de Isaak Babel, onde se exprimiam as experiências do autor, correspondente de guerra com a cavalaria cosaca de Budionni na campanha contra Polónia de 1920. O livro obtivo muito sucesso e reflectia a extrema violência que se vivera na guerra civil.
O Prometeu colérico voltava irromper. Embora Lenine nom fora um entusiasta nietzscheano da “violência redentora”, que hoje Slavoj Zizek pregoa falsamente nalgumha reinterpretaçom de Lenine, tampouco a enjeitava e sempre aprovou a vingança de classe, tentando que as massas foram ao tempo revolucionárias e disciplinadas o que enervaria o radicalismo dos “saltos adiante” e das mobilizaçons populares de Estaline e Mao em décadas posteriores.
A isto junguia-se a prédica da modernidade que nom se limitava apenas no caso dos bolcheviques à indústria pesada e a eficiência no trabalho, mas também à educaçom de massas, a protecçom social, a desapariçom da religiom e a emancipaçom feminina (escassamente lograda contodo). Aleksei Gastev, até 1917 operário metalúrgico e poeta, foi um dos mais entusiastas propagandistas do taylorismo como demonstra o seu poema mais conhecido, “My rastiom iz zheleza” (Crescemos do ferro), de 1914 e que fundou em 1921, com o apoio de Trotski e Lenine, o Instituto Central do Trabalho. Do modelo da Comuna de Paris passou-se assim à gestom pretensamente científica de Frederick W. Taylor que se aplicara já nas fábricas de carros de Henry Ford nos EUA. Para Taylor cumpria dividir as tarefas dos trabalhadores em movimentos precisos, medindo-os ao segundo e calculando o seu ordenado segundo a produçom. Lenine esquecia assim que com anterioridade condenara este sistema como exemplo típico do capitalismo embrutecedor Esta utopia foi atacada por Ievgeni Zamiatin na sua distopia We (Nós), redactada entre 1920 e 1921, e publicada em inglês em 1924 e que inspiraria como modelo a obra mestra de George Orwell: 1984.
Umha variante do Prometeu colérico é o drama Spartakus, estrenado sob o título Trommeln in der Nacht (Tambores da noite) o 23 de setembro de 1922 em Munique e o 20 de dezembro em Berlim que lhe valeu a Bertlolt Brecht o prestigioso prémio Kleist. Em Spartakus um soldado, Andreas Kragler, regressa da guerra e topa-se com umha Alemanha cheia de venalidade e corruçom. Quanto Brecht escreve esta peça Europa encontrava-se na terceira onda revolucionaria -a mais radical- após as de 1789 e 1848. Por vez primeira, governar sem a burguesia – que desde as revoluçons de 1848 deixara de ser para sempre umha classe revolucionária– era nom só possível, mas também para a asa mais radical do socialismo necessário. A diferença do SPD e da socialdemocracia, intelectuais e comunistas estavam na primeira linha da revoluçom. No entanto Brecht mostra-se premonitório pois Andreas Kragler toda vez que vence o seu rival burguês no amor de Anna contenta-se com a comodície da sua vida privada e nom luita já por um governo operário revolucionário.
Precisamente, quando os espartaquistas tentárom a tomada do poder efemeramente em 1919 em Alemanha e em 1921 a maré revolucionária estava já por toda a parte em retrocesso, pois os partidos comunistas nascidos ao amparo da Revoluçom de 1917 nom conseguiram ganhar-se à maioria da classe operária e o campesinhado e mediada a década de vinte as classes dominantes restauraram a ordem e o edifício da autoridade e da propriedade. Lenine efectuou entom um “repregue”, que assumírom os partidos comunistas por toda a parte, baseado na disciplina e a hierarquia e oposto ao idealismo de 1918-1919.
Diederich Hessling, o antiherói de Heinrich Mann no romance O patrioteiro (Der Untertan, publicada em 1918, mas completada segundo o autor antes da Grande Guerra) é a literaturizaçom do servilismo de Hermes com Zeus. É um burguês feudalizado e completamente servil com o káiser Guilherme que renúncia a missom histórica da burguesia por medo ao “perigo vermelho”. A obra corrobora a teoria do imperialismo de Rosa Luxemburgo e outros marxistas, para os que existia um “vencelho de ferro” entre o capitalismo e o imperialismo militarista dumha banda, e a velha tese liberal do capitalismo com portador de liberdade e paz pola outra cada vez menos crível (como nesta nova crise da hegemonia, desta volta norte-americana aconcete, por exemplo com as guerras do Iraque, o Afeganistám, Líbia ou o assassinato de Bin Laden) ao aumentar a repressom e as desigualdades sociais.
O Prometeu vitorioso no entanto ficara reduzido à Rússia. A recriaçom da revoluçom de Outubro de 1917 mais lograda, a partir dum livro dum correspondente norte-americano, quiçais for a de Sierguei Eisenstein: Outubro: dez dias que estremecêrom o mundo. Porém, a diferença de Pudovkine, nom pudo apresentar a sua obra em tempo, afastada do marxismo modernista. Assim, enquanto Pudovkine apresentava A fim de Sam Petersburgo, que retratava a consciência socialista disciplinada e racional, Eisenstein advogara polo romantismo revolucionário num filme em que se expom com perícia o marxismo radical e o heroismo colectivo. O filme, que apareceu em março de 1928, contou com 5.000 extras e umha toleráncia das autoridades grande – sem isençom da censura isso sim–, para criar um filme muito propagandístico e para alimentar o mito de Outubro de 1917. A auténtica mensagem radical era a luita de classes, se bem o recebimento na URSS foi menor, pola sua falha de inteligibilidade para as gentes do comum, a respeito da de Pudovkine (se bem conectava melhor com a nova ordem que se desenvolvia sob Estaline).
Morte e ressurreiçom de Prometeu
Com anterioridade, entre 1922 e 1924, escreveu-se o romance Cimento do escritor proletário Fiodor Gladkov que nos conta a história dum herói da guerra civil, Gleb Chumalov, que torna à sua morada ao ser desmobilizado e topa-se com a sua amada fábrica de cimento inactiva e caindo a pedaços. O frente da guerra civil dava passo ao “frente industrial” e entre os trabalhadores deviam sair novos prometeus para exercer a sua violência sobre os “inimigos de classe”, os tecnócratas e os burócratas. Embora, Gladkov escreve que o protagonista respalda a NEP o certo é que deixa enxergar a decepçom que no PCUS provocava e, ao igual que os jacobinos na Revoluçom francesa, recomendava audácia, audácia e audácia como a demonstrada durante a guerra civil, ou seja, volta à mobilziaçom das massas e à luita de classes.
O retrato oficial do estalinismo e do seu forte chovinismo aparece em Aleksandr Nievski de Eisenstein. É o retrato do príncipe medieval Alexander Iaroslavich de Nóvgorod que dirigiu a resistência contra os invasores suecos e da Ordem Teutónica entre 1240-1942. O valor e renartaria dos eslavos permite-lhes derrotar aos orgulhosos teutons superiores tecnologicamente. Os ideólogos do partido topavam-se elaborando umha versom selectiva do nacionalismo russo, um bolcheviquismo nacional. Prometeu morrera e a revoluçom também ao tempo que Estaline promovia o culto a personalidade, especialmente após o fracasso da “Grande Ruptura” em 1933, com o apoio da nomenklatura que se convertera num grupo de estatus previlegiado.
Novamente vai ser Eisenstein quem ofereça umha versom oficial. Entre 1942 e 1944 roda-se Iván Grozny (Ivám IV, “o Terrível”), que obtivo o prémio Estaline de 1944. Em 1946 filma-se a segunda parte, A Conjetura dos boiardos, que nom se estrenou até 1958 já que foi proibida pola censura. A terceira parte também se filmou em 1946, mas foi requisada ao morrer Eisenstein em 1948 e provavelmente destruída em sua maior parte. A criaçom da opríchnina por parte daquele sanguinário monarca absolutista foi posterior à unificaçom de Rússia e a derrota dos seus inimigos. Aquela guarda real foi empregada para disciplinar os boiardos, nobreza russa, e interprestou-se como um momento progressista na história russa. Na URSS o novo Iván era Estaline e a nova opríchnina era o NKVD. No entanto, Eisenstein dá-lhe umha dimensom psicológica à personagem e umha olhada cada vez mais psicodélica e claustrofóbica que propiciou a censura.
Após a morte de Estaline o seu regime é moderamente criticado. Alguns intelectuais enervam contodo esta crítica. Vladimir Dudintsev atacou a inlfuintes estalinistas. Nom só de pam vive o homem era um romance muito popular na altura. Tratava-se dum romance de tese que se congraciava com as ideias quase románticas do primeiro Jruschov, mas ao tempo incidia nas causas que fariam fracassar estas ideias. Dudintsev condenava a tecnocracia insensível do estalinismo serôdio e por sua vez advogava pola volta ao idealismo e a um novo marxismo utopista caracterizado pola democracia, os sentimentos e a criatividade. Na mesma linha ia a obra O Desgelo de Ehrenburg, publicada em 1954, e que fazia eco da ideia de Jruschov de que toda pessoa tinha umha criatividade inata que convinha explorar. Ainda assim, tanto Jrischov como estes autores negavam-se a recuperar a retórica da velha luita de classes e o novo Prometeu, muito menos colérico e mais racional, era um técnico experto e nom um operário manual. Já que a elite do partido era irreformável a salvaçom vinha necessariamente da criatividade.
A vida no Gulag literaturizou-se em Um dia na vida de Iván Denisovich, um relato tétrico de Solzhenitsyn que influiria no movimento do maio do 68 occidental. Prometeu voltava, mas já nom nos estados do “socialismo real”, mas nas sociedades estratificadas e oprimidas do Terceiro Mundo, desde o romantismo idealista do Ché Guevara até a Angola e o Moçambique que luitavam pola independência na guerra colonial.
A começos de 1970 Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, Pepetela, escreve Mayombe. Pepetela era um combatente branco do MPLA e como deixa já claro desde a sua dedicatória volta à modernidade prometeica e à guerra, já que Ogun é um deus africano da guerra:
Aos guerrilheiros de Mayombe,
que se atrevêrom a desafiar os deuses
abrindo um caminho através das escura floresta,
vou-lhes contar o conto de Ogún,
o Prometeu africano.
Mayombe conta a história dum grupo de guerrilheiros que combatem contra os tugas, os portugueses, na densa floresta de nome homónimo. Um dos núcleos do romance é o esforço por forjar um povo angolenho moderno que ponha fim às divisons tribais e ao passado racista colonial. Agostinho Neto, futuro líder do MPLA, ou o estudante de agronomia de Cabo Verde Amílcar Cabral futuro líder do PAIGC serám os Prometeus da África de língua portuguesa. Nunca a literatura, a cultura e a política conheceram umha feiçom tam fundamente marxista num processo revolucionário onde se junguiam a emancipaçom nacional e social. Ao igual que o Ferrín de “A noite no chao” em Quem me dera ser onda? visualiza-se a dificuldade de redimir ao oprimido inconsciente da sua alienaçom (se bem num tom muito mais cómico).
O mundo efervescente e emancipatório do sul contratava com o mundo sem valores aborrecível e o gozo intolerante das massas do Segundo e do Primeiro Mundo que retrata Milan Kundera na segunda parte do seu romance A brincadeira, onde capta as mudanças da Europa oriental após a morte de Estaline. A preocupaçom dos comunistas polo consumismo reflectia-se na comédia romántica de 1984 intitulada Blondinka za uglom (A loira do lado) e que fazia referência às contrariedades que provocava o lucrativo mercado negro nos estados do leste.
A fascinaçom polos objectos de consumo, polos fetiches ressaltava umha nova forma de alienaçom e como a sociedade soviética se movia ideologicamente para ocidente com um “bem-estar” baseado na suba dos preços do petróleo com o que os dirigentes do “socialismo realmente existente” tentavam aplacar os desejos de democracia e mudança do proletariado. Assim, cantantes occidentais como Julio Iglesias fôrom qualificados como promotores do neofascismo.
Ao tempo em ocidente nascia o anti-Prometeu. O neoconservadurismo de Reagan e a utopia reaccionária ultraliberal eram mostras disto. Umha proporçom surpreendente da primeira camada de intelectuais neocons procediam da revista The Public Interest, fundada por antigos trotskistas como Irving Kristol e Daniel Bell em 1965. Bell seria precisamente um dos fundadores do pós-modernismo com o que sob o disfarce da morte dos metarrelatos emergia umha salva de palmas ao capitalismo do livre mercado extremo e ao imperialismo norte-americano a partir da década de 90 camuflado sob o eufemismo, asséptico e neutral, de globalizaçom. Do trotskismo ficava o “internacionalismo”, a fé na luita, a ideia utópica dumha sociedade pura ao fim da história (sancionada por Francis Fukuyama), o ódio a realpolitik estalinista, e, sobretodo, a confiança romántica no poder as ideias e a moralidade para mudar o mundo.
Junto a estas bases morais a contrarrevoluçom capitalista tinha outras bases racionais no credo ultraliberal. O economista Milton Friedman, antigo partidário do New Deal, popularizou umha visom da economia baseada no laissez-faire no ronsel de Friedrich Hayek, quem defendia umha “democracia limitada” e umha “liberdade” a mantenta restringida a liberdade de consumo (a distinçom que Chomsky tem feito entre liberty e freedom é muito reveladora a este respeito). Como assinala em Contra o pós-modernismo Callinicos após o desengano de 1968 unírom-se à luita contra o comunismo e ao assalto ao velho estado corrupto para implantar umha nova ordem baseada num liberalismo “revolucionário” que empregava métodos militares e mobilizadores de teor leninista.
Prometeu hoje: Novamente encadeado?
O sonho prometeico volta ressurgir com força nos nossos dias. É a velha pantasma que percorre Europa e o mundo cada vez que se degradam as condiçons de vida das maiorias sociais, se estratifica e feudaliza a sociedade e se aplica um férreo e alienador controlo sobre o corpo social, convertendo o povo em massa através do binómio político-medíatico.
O fime Monanieba (Arrependimento) do director georgiano Tenguiz Abuladze é quiçais um dos poucos filmes complexos e cultos que fôrom um sucesso comercial. Estrenada em 1986, ao abeiro da glasnot' (transparência) de Gorbachev, é um vívido retrato do ambiente que se vivia ao começo da perestroika (reestruturaçom). Gorbachev incorporava-se assim à longa listagem de dirigentes que acreditava que era possível vigorizar o comunismo leninista atacando os “burócratas” conservadores obsessionados polo estatus, mas a diferença do Estaline dos anos vinte, do Mao da Revoluçom Cultural ou do Jruschov de finais de 50 e começos da década de 60 foi o único que chegou a conclusom que isso só era possível se se reduzia o poder do partido propiciando a destruiçom do próprio sistema ao socavar as bases do poder da burocracia e permitindo que remataram por efectuar sob Yeltsin a pilhagem e a partilha do público criando estados mafiosos e falidos.
Ao tempo que as brasas do lume encendido polo velho Prometeu de 1789 ou 1917 se apagavam a labareda dos contra-revolucionários ultraliberais atingia o seu explendor com a excepçom do desafio do EZLN em Chiapas na década de 90. No entanto, desde 2008 as conseqüências da utopia reaccionária ultraliberal som bem visíveis e as cadeias de Prometeu semelham que começam a aferrolhar-se. Evo Morales, a resistência da gerontocracia castrista, Hugo Chávez, Correa, etc. som mostras do espertar dos povos do mundo e de como o Império, o centro do sistema-mundo desde 1945 passou da crise-sinal do Vietnam à queda da sua hegemonia na rediçom dumha fanada belle époque eduardiana que atingiu o seu culmem com Bush II, mas que nom evitou que na disjuntiva entre canons e manteiga, como acontecera na URSS, se dispararam as desigualdades e o descontento da populaçom. A hegemonia ultraliberal e reaccionária nos centros do sistema-mundo capitalista nom fam alviscar contodo que surja um Prometeu num contexto em que eleiçom após eleiçom medra a extrema-direita entregue às directrizes da bancocracia e as instituiçons de governança global como o FMI ou o Banco Mundial, instrumentos do RDWS descrito por Peter Godwan.
A ideologia do novo capitalismo, o capitalismo do longo declínio, triunfou entre a geraçom do 68 com o acento posto mais na uniformidade cultural que na igualdade económica real e na fraternidade do comunismo romántico em que Prometeu conheceu a sua moderna safra. A Terceira Via foi a mostra mais evidente da desorientaçom e o fracasso da esquerda clássica, incapaz de recuperar-se da queda do muro de Berlim enquanto por toda parte do capitalismo erguia novos muros e impunha o seu TERROR mediante a fome e a opressom privatizando a auga e outros bens universais, destruindo a natureza, jogando à morte a mais de 1.000 milhons de pessoas e condenando a mais de 3/5 da humanidade a viver fora da história e do pretenso paraíso ultraliberal. Experiências como a de Sendero Luminoso enterrárom para sempre a desproporcionada violência do maoismo se bem até nas revoltas árabes, para nada hegemonizadas polo marxismo, se fixo meridianamente claro que sem violência e mobilizaçom nom é possível mudar o estado actual de cousas ao terem as elites que controlam o estado o monopólio no exercício da violência. Como dizia em 1969 umha tonada intitulada “A flor da giesta”:
O sangue do povo tem
rico perfume,
cheira a jasmim, violeta
geránios e margaridas,
a pólvora e dinamita.
CARALHO!
a pólvora e a dinamita.
Como di Priestland cumpre deixar claro que a tradiçom romántica participativa do comunismo – que se viu por última vez nas barricadas de 1968 e que semelha estar re-emergindo agora nalguns focos na Europa como em Grécia- voltará cobrar importáncia. A medida que se faga mais visível e grande o lanho das crises do capitalismo globalizado, os ideais marxistas de autenticidade e participaçom democrática acumularám mais e mais forças e poderá atingir-se umha nova massa crítica. Finaliza o seu extraordinário livro com estas linhas:
Era inevitável que a tentativa prometeica dos comunistas de combinar os projectos em conflito com a ciência moderna, a igualdde e a liberdade ficara desacreditado; mas nom deveriamos ignorar totalmente a Prometeu. A necessidade de resolver as questons que planteia esse mito parece hoje mais necessária do que nunca, se queremos decobrir novas vias para umha ordem social e ecológica mais igualitária e sustentável.