Palavras novas e velhas

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A BATALHA DAS LÍNGUAS NO MUNDO ACTUAL. UMA RECENSãO COM ALGUMAS DICAS DESDE UMA ÓPTICA SOCIALISTA E LIBERTÁRIA DO ARTIGO DE TERESA MOURE



Continuo como um zigano de deus viajando a bordo de um paradoxo. Há trinta anos eu cria que o meu tempo pessoal coincidiria com o meu tempo histórico. Hoje sei que não participarei da colheita, mas estou empenhado em morrer semente
, Frei Betto.

O artigo de Tesesa Moure intitulado "A batalha das línguas no mundo actual. Multilingüismo e antiglobalización" é um texto valente com um posicionamento inequívoco a favor da manutenção da diversidade cultural e linguística da humanidade frente às ameaças derivadas da denominada, aséptica e intesadamente, como "globalização", quer dizer, as dinâmicas etnocidas e homoxeinizadoras que operam dentro do actual sistema-mundo capitalista.

ALGUMAS QUESTÕES SOBRE A TERMINOLOGIA

Vaia por diante, como já sublinhamos desde um primeiro momento, que concordamos, em linhas gerais, com tudo o exposto e argumentado, com dados contundentes fornecidos desde a Linguística Política (vid. infra), pela professora Teresa Moure no seu artigo, aperecido originalmente na revista Grial (nº 160). Dito isto, no entanto, queremos debruzarnos em algumas considerações para o enriquecimento do debate, pois julgamos que este artigo pode ser um grande ponto de partida para uma óptica ecolingüística desenvolvida no ensino, sempre e quando o docente actue como um canalizador das opiniões dos alunos, ou seja, apenas pontoalizando ao remate das argumentações dos alunos, permitindo assim a reflexão sobre os reptos que nos atira o texto.

Em primeiro lugar, queremos começar pelo encabeçamento do artigo. A autora fala de "batalha", o que se contradí, aparentemente quando menos, com a afirmação que faz sobre a cita de Max Weinrich:

En Occidente, os dialectos pasan a considerarse linguas cando os seus falantes teñen poder para garantir o funcionamento dunhas institucións que aseguren a súa unidade e canten tamén as súas particularidades e excelencias. Nunca noutro caso. Por iso, repítese con frecuencia que unha lingua é un dialecto cun exército que o defenda. Esa imaxe militar (por certo, de ben escasa fortuna) é reiterada continuamente porque se lle atribúe certo carácter subersivo que, como veremos non é tal [Moure, 2003:20].

Uma segunda questão que deve centrar a nossa análise desde encabeçamento é o termo "antiglobalização". Globalização na escola anglo-norte-americana ou mundialização da francesa são termos que não podemos apresentar asépticamente, sob pena de adaptarmos acriticamente a linguagem dominante. Ora, a escolha "antiglobalização" é uma escolha errada, já que os movimentos altermundistas, eis uma nova etiqueta a do altermundismo e a alterglobalização, não se opõem à globalização per se, mas à "globalização realmente existente". E cual é esta globalização realmente existente?

Richard Falk oferece para nós umas das chaves interpretativas que superam o lamazal da "antiglobalização", que deixa muito mal parado o discurso da esquerda quando é empregue esta etiqueta, ao distinguir entre a globalização descendente e a globalização ascendente; por outras palavras xebramos de uma banda a globalização realmente existente, a ultraliberal, da globalização desexábel do "um outro mundo possível e necessário" dos FSM e dos movimentos sociais que se estão reorganizando por toda a parte [Falk, 2001 :217-230] (1).

A ESCOLA E O ECOLINGÜISMO

Para Moure [2003: 19] «os dispositivos escolares son ferramentas ideolóxicas poderosas, coas que o poder consegue perpetuarse». Com efeito, muita é a literatura que se tem elaborado sobre este assunto destacando-se habitualmente a Bourdieu, mas nem só ele. A escola é um aparelho ideológico do Estado (AIE), para Louis Althusser, que se junta ao AIE religioso, ao AIE cultural, ao AIE político, ao AIE jurídico, ao AIE da informação e ao AIE familiar. A diferença do Aparelho de Estado (repressivo) os aparelhos ideológicos são plurais, sendo alguns em essência privados e outros públicos. Porém, como Gramsci adverte a distinção entre o público e o privado é uma diferenzação intrínseca ao direito burguês e escapa-se ao domínio do Estado ao estar além desse Direito: o Estado que é o Estado da classe dominante, não é nem público nem privado, é, a contrário, a condição de toda diferenzação entre público e privado.


Os AIE funcionam em massa mediante a ideologia, é dizer, pertencem à instância ideológica, e só secundariamente recorrem à repressão, normalmente por "indicações" desde a sociedade política; por exemplo a repressão secular do galego tão bem estudada por Freitas Juvino [2008: 199-586]. Na teoria gramsciana «a estrutura e a superestrura formam "o bloco histórico", que por sua vez mantêm um vínculo "dialéctivo real". Isto significa que existe unicamente quando a hegemonia da classe dominante transforma os seus interesses sociais em interesses das "classes subalternas" e "auxiliares". Quando alcança o consenso social» [Mezones, 2004: 60]. Isto explica como o sistema escolar reproduz a ideologia dominante perpetuando a dominação existente e explica igualmente que «cando o profesor omite revisar as linguas (...) contribúe de forma significativa á difusión dunha idea errónea: a homoxeneidade do mundo. (...) Os estudantes universitarios son incapaces de dar o nome das vinte linguas máis faladas no mundo» [Moure, 2003: 19] (2) .

Em resumo, a sociedade civil reproduz um desprezo pelo multilingüismo, que realmente opera no seu seio paradoxalmente, inserindo nas tensões dialécticas da sociedade e, a um tempo, reproduzindo a ideologia da sociedade política que para nada tem a bem a defesa do particular ou de visões alternativas do mundo, toda a vez que a globalização ultraliberal descendente parte já da "democracia limitada" de Hayek, do novo totalitarismo in nomine do fascismo financeiro que está parindo um novo fascismo social, cujas consequências são já observábeis na Eurolandia.

Nesta direcção aponta Moure [2003: 20] quando fala da Declaração Universal de Direitos Humanos como monopólio de Ocidente, ou Richar Falk que adverte que, após a queda da URSS e da hegemonia norte-americada absoluta no sistema-mundo capitalista, os Direitos Humanos vêem reduzidos paulatinamente o seu peso político precisamente porque já no seu nascimento:
o progresso dos direitos humanos, sendo peremptoriamente subversivo em relação às pretensões estatais, em certos aspectos chave-, permanecia, em geral compatível com a manutenção de estruturas geopolíticas de autoridade e riqueza mundiais existentes e, como tal, exercia apenas uma influência marginal. As práticas autoritárias, mesmo nos Estados de importáncia secundária, são normalmente, de modo eficaz, imunizadas por pressões externas ligadas aos direitos humanos, quer estas provenham de Estados, do sistema das Nações Unidas ou de forças sociais transnacionais [Falk, 2001: 174-175].

Porém a língua é por excelência «o dominio da democracia e a liberdade e, polo tanto, permitir como expectadores que alguén sexa incitado a cambiar de lingua é exercer unha violencia simbólica atroz, porque é colaborar para que ese individuo cambie a súa relación co mundo; o que é tanto como cambiar (a peor) o mundo mesmo». Aqui podemos trazer a colação as mudanças operadas no alemão durante o nazismo, ainda o periplo do moldavo e o romeno, as deportações de minorias após as duas Grandes Guerras do XX (e ainda hoje na Papua Ocidental por parte do exército indonésio), ou o discurso da "imposición" tão próximo de nós.

A escola é acusada por elementos da sociedade civil reaccionaria, criadores do "sentido comum" grato à sociedade política do Reino da Espanha, como fonte de adoutrinamento, ideoloxização e imposición do nacionalismo emancipador galego, da cultura galega e da língua galega. Mal que bem, não nos escapa que isto deve-se precisamente a uma tentativa de aprofundar na hegemonia e no pensamento único do totalitarismo ultraliberal, desvirtuando conceitos tradicionalmente positivos como democracia, liberdade, plurilingüismo, etc. Goretti Sanmartín Rei propõe como alternativa a isto, algo que entronca com o exposto pela autora do artigo recensionado, e afirma com rotundidade que «o texto das Bases para a elaboración do decreto de plurilingüismo no ensino non universitario de Galicia son unha boa mostra dos novos rostros do imperialismo (lingüístico)» ou que a concepção ultraliberal do sistema educativo como simples recolledor da variedade social sem possibilidade de intervir sobre a realidade «selecciónase, en termos de Bourdieu / Passeron como o lugar onde se reproduce mecanicamente a estrutura das relacións de forza entre as clases e os grupos» [Sanmartín Rei, 2010: 94, 81].

O racismo linguístico é também outro elemento que latexa no fundo destas ideologias negacionistas da normalização do galego e que falam de bilingüismo perpetuando a relação desigual entre castellano e galego, com a esperança de que o hibridismo consiga o que não deram feito cinco séculos de colonização cultural. Agora, a justificação da "brigada de demolição e limpeza étnica instalada em São Caetano" vem da mão do inglês e o plurilingüismo, mas como recorda Xosé Manuel Sánchez Rei [2009:100] «aprenderen na escola a variedade estándar do inglés poñamos por caso, non ten necesariamente de significar que as nenas e os nenos das Illas Británicas non poidan empregar o seu propio dialecto local do inglés ou de xermánico, nin moito menos, no caso das nacións consideradas celtas, que non poidan utilizar na vida diaria o seu idioma natural».

LINGUÍSTICA POLÍTICA

Anteriormente já advertimos com a cita de Weinrich que o rótulo língua e os seus envolvimentos jurídicos e sociais depende de considerações políticas e não da estrutura interna dessa linguagem. Assim, na China considera-se como uma única língua um feixe de línguas, desde a perspectiva ocidental, que só são intercomunicáveis através de uma escrita comum e não em registos orais. Ao invés, na Índia o Hindi e o Urdu, com pequenas diferenças no seu seio, foram divididas em duas línguas que se associam uma com a religião muçulmana - e a ortografía árabe- e a outra com a religião hindú. Contudo, Mahatma Gandhi, com uma concepção linguística avançadíssima para a sua época dito seja de passagem, considerava-as uma única língua com duas propostas ortográficas, tal e como acontece hoje na Noruega e ainda na Galiza, e desbotaba o inglês por ser a língua da colonização, se bem o Estado indiano manteve-a, embora distanciando-se dela por meio de uma norma própria. Vê-mos como em todos estes casos, uma língua é, antes demais, uma categoria da instância ideológica determinada por decisões políticas e sociais [Gandhi, 2010: 15, 16, 19, 64, 110-111, 119, 122].

Por sua vez, Moreno Cabrera [2008: 13-60] salienta com acerto que o conceito língua é tão arbitrário, acientífico e tem o mesmo carácter social do que o conceito de nação. Assim, Chomsky defende que as línguas comuns ou públicas não são objectos do mundo, apenas abstracções, construções sociais, como o são as comunidades imaginadas às que chamamos nações. Ainda que nom é objecto destas dicas afundar nisto, remetemos-nos a trabalhos como os de Henri Boyer, a ecolingüística vê-se pexada fora de áreas com conflitos linguísticos acesos pelo poder sem contestación que exerce o nacionalismo dos estados-nação:

Todos los grupos, tanto los mayoritarios como los minoritarios, incorporan una dimensión étnica y el no reconocimiento de esa dimensión por parte de los grupos mayoritarios o más poderesos tiene que ver con las diferentes relaciones de poder entre los grupos. La manipulación del grupo dominante consiste en presentar como no étnicos los intereses de este grupo y asignar el sambenito de étnico a los intereses de los grupos dominados o minoritarios. (...) Las actuaciones de los grupos no dominantes a favor de su lengua (...) se tildan de nacionalistas, mientras que las de los grupos dominantes se califican como no nacionalistas. Pero es que las actuaciones de los grupos no nacionalistas también se fundamenta en la defensa y promoción de una lengua, una cultura étnica y un poder político de una nación concreta y, por tanto, son igualmente nacionalistas [Moreno Cabrera, 2008: 193].


Este nacionalismo linguístico acocha uma e outra vez que «na maioría das rexións do mundo os individuos desenvolven as súas vidas mediante o uso de varias linguas». Por outras palavras, o monolingüismo não existe já em nenhum ponto da Europa, fora alguma área rural, por causa das migrações e, aliás, que é uma língua? Se seguimos o razoamento de que as koinés são abstracções e variantes criadas na superestrutura, não é por acaso uma língua de um jovem que vive num bairro marginal de Madrid ou Paris de costas à língua e cultura da RAE e dos campos de poder das elites ainda quando fala "castellano"? Eis a diferença entre língua e comunidade real face a língua e comunidade imaginada. Esta inventio do monolingüismo já vem do liberalismo do XIX que acreditava num modelo jacobino e uniforme de estado, para além de na língua universal, e acrecenta-se a cada hora com a "cocacolonización" do mundo, como diz num seu poema Celso Emilio Ferreiro, que opera na globalização descendente e que aplica o darwinismo social também às línguas.

David Crystal coincide com Moure em que a própria Linguística dispensa um trato bem pouco afortunado ao multilingüismo e que ainda é refractaria a assumir transversalmente os postulados do ecolingüismo. Em 'A morte das línguas', o autor galés assinala que é intolerável que se podan rematar os estudos filolóxicos sem noções de Linguística Política (sociolingüística) e sem estudar nenhuma língua minorizada ou minoritária. É por isso que «para a maioría das linguas do mundo a era lingüística aínda non deu comezado» [Moure, 2003: 20].

Assim, a linguística profissional gaba-se de ser «unha ocupación non comprometida, que contempla como cae a auga da billa sen poñer tapón no sumidoiro» e que remete para aquela outra metáfora que Carlos Taibo apresenta para advertir dos limites ecológicos do planeta: temos a torneira da banheira aberta e a casa de banho inundada, mas não a fechamos limitando-nos a estéreis protocolos que retrasan o desastre, tal como se tentáramos achicar a água tirando toallas no chão assolagado.

Para Calvet [1998: 7] a responsabilidade disto recae no estruturalismo, paradigma ainda hoje muito vivo nas universidades galegas. Saussure, Bloomfield, Hjeimslev e ainda Noam Chomsky «ao elaboraren teorías e sistemas de descricións variados, concordaban en delimitar o campo da súa ciencia de xeito restritivo, eliminando das súas preocupacións todo o que non fose a estrutura abstracta que definían como obxecto do seu estudio. (...) O estruturalismo construíuse en lingüística a partir da negativa a ter en conta o que hai de social na lingua». O autor galo retrotae este divórcio entre academia e sociedade, esta consideração do objecto de estudo da linguística como algo alheio à realidade social onde as línguas se empregam na sua função referencial e não só comunicativa, a Antoine Meillet. Meillet definia a língua como como um facto social, na linha do sociólogo Durkheim, mas isso ficou apagado quando Ferdinand de Saussure reduz no seu Cours de linguistique générale a língua a uma abstracção que é necessariamente inexplicábel. Este estado de coisas só irá mudando após a II Guerra Mundial, embora seja de um modo muito paulatino.


Como assinala Moure [2003: 25] «os lingüistas estaban actuando coma se só puidesen adquirir o estatus de científicos a condición de non interviren na realidade. Se cadra por iso, ata hai ben pouco, refugaron intervir en cuestións relativas ás dimensións do feito lingüístico». Esta divisão case neoplatónica é o que Domènech, falando da ciência em geral, tem apresentado como a "ideotização" (3) e "fragmentarização" das ciências, ou seja, a disociação do académico [mundo das ideias] do social [mundo real]. Este "neoplatonismo" ultraliberal, permita-se-me a licença, do "fim da história" e tantas outras asneiras bebe do irracionalismo que caracteriza a degeneração do modernismo e que alguns deram em denominar como pós-modernismo, sobretudo, a partir do pós-estruturalismo de Deleuze, Derridá ou Foucault. Lembre-se que estes autores, representantes do que Edward Said chama postestruturalimo "mundano" e que fã do textualismo um cárcere, reconhecem a sua filiación com Nietzsche, a tal ponto que Foucault chega a afirmar que “son simplemente nietzscheano” [Callinicos, 1995: 121-155].

Não faz nem falha lembrar que Nietzsche foi reconvertido como autoridade máxima para o irracionalismo fascista da década de trinta e que após o insucesso das revoltas de Maio do 68 se converteu em centro do pensamento pós-moderno. Neste sentido, «las doctrinas características de los modernos irracionalistas son ahora, como hemos visto: acento puesto sobre la voluntad, en oposición al pensamiento y al sentimiento; glorificación del poder; creencia en el intuitivo “postular” proposicionanes, en oposición a la prueba inductiva y a la observación» [Russel, 2010: 68].

Ainda hoje a sociolingüística fica em excesso reduzida a escassos âmbitos, quase todos académicos, se bem vai espalhando a sua receptibilidade social, felizmente, especialmente após o impulso que Aracil e Ninyoles lhe dão no Estado espanhol. Concordamos com Calvet em que «non hai razón para facer distincións entre unha lingüística xeral que estudiaría as linguas e unha sociolingüística que tería en conta o aspecto social destas linguas: noutras palabras, a sociolingüística é lingüística» [1998: 21]. É por isto que, em minha opinião, seria muito útil a adopção de uma outra etiqueta, a de Linguística Política, na linha da Economia Política, a Filosofia Política, etc. e que até impulsionaria necessariamente esta disciplina a novos campos do saber e a uma maior interdisciplinariedade. Mal que bem, é hora da superar a concepção pós-moderna e nada cándida de "apoliticismo" e advogar por uma (re)politización geral, já não só da sociedade, mas do mundo académico no seu conjunto; uma repolitização que não deve perceber-se como servilismo a uma estrutura partidista, mas como a volta ao antropocentrismo ou ao que Mike Davis chama antropoceno, sem esquecermos a relação simbiótica, o mutualismo, entre sociedades, culturas, línguas... e entre a humanidade e a natureza (4).

NOTAS

(1) Por uma questão de espaço e para não desviar-nos em excesso do foco do artigo não podemos deter-nos mais nas considerações de Falk e outros muitos autores que dariam para um extenso ensaio. Porém, não nos resistimos a deixar aqui o enlace de uma entrevista muito lúcida sobre a situação actual da esquerda política e da esquerda social (toda esquerda é política, mas para nos entender) concedida pelo vice-presidente de Bolívia García Linera:
http://revoltairmandinha.blogspot.com/2010/10/precisamos-de-uma-internacional-de.html

(2) Este ocultamento ou desprezo do que se ignora, tão caro ao Ocidente, reproduz-se também das discriminações que se operam no seio das sociedades ocidentais. Quando Teresa Moure [2003: 19] afirma que «cando non se mencionan nas aulas os nomes das linguas do mundo, constrúese un silencio semellante ao sixilo con que se pasa na clase de xeografía polos países de África coa disculpa fácil (“é que como sempre están cambiando de capital...”) para agochar a verdade (“¿a quen lle interesa África?”)» vêem-se-nos rapidamente um argumento parello empregado contra o galego: “es que el gallego está cambiando siempre de normativa” quando realmente o que querem dizer é que não têm o mais mínimo interesse pelo galego.

(3)No sentido etimológico (em um dos seus sentidos etimológicos em rigor): "sem ideias".

(4) Num artigo recente tenho debruzado algumas noções relacionadas a raiz do Decreto para o galego aprovado pelo PP: http://www.altermundo.org/content/view/3237/402/

BIBLIOGRAFIA

ALTHUSSER, Louis (1970), “Ideología y Aparatos Ideológicos de Estado. Notas para una investigación” em a revista La Pensée.

CALLINICOS, Alex (1995), Contra o Post-modernismo, Laiovento, Compostela.

CALVET, Louis-Jean (1998), A (Socio)lingüística, Laiovento, Compostela.

FALK, Richard (2001), Globalização Predatória. Uma crítica, Instituto Piaget, Lisboa.

FREITAS JUVINO, María Pilar (2008), A represión lingüística en Galiza no século XX. Aproximación cualitativa á situación sociolingüística de Galiza, Xerais, Vigo.

GHANDHI, Mahatma (2010), Política de la no violencia, Pensamiento Crítico-Público, Barcelona.

MEZONES, Carlos (2004), Educaçom e cultura em Gramsci, Pensamento Crítico, Vic.

MORENO CABRERA, Juan Carlos (2008), El nacionalismo lingüístico. Una ideología destructiva, Península, Barcelona.

MOURE, Teresa (2003), “A batalla das linguas no mundo actual. Multilingüismo e antiglobalización”, em Henrique Monteagudo (coord.) 'O desafío da diversidade lingüística', Grial, nº 160, pp. 19-29.

RUSSEL, Bertand (2010), “La ascendencia del fascismo” em Elogio a la ociosidad, Público-Banc Sabadell, Barcelona, pp. 57-73.

SÁNCHEZ REI, Xosé Manuel (2009), “As voltas co significado da estandarización” en Mª Pilar García Negro (ed.) Sobre o racismo lingüístico, Laiovento, Ames, pp. 95-121.

SANMARTÍN REI, Goretti (2010), Lingua e futuro, Laiovento, Ames.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A greve dos desempregados


O 29 de setembro será um bom dia para faltar ao trabalho e em pacífico desfile de duas horas rachar com os nossos farrapos e queixar-nos na má sorte de pertencer à classe trabalhadora nestes tempos de regressom. De greve geral indefinida ainda nom ouvimos nada, nem ouviremos.

O sindicalismo após ficar anos e anos na comodície de viver engarçado na superestrutura do Estado decata-se agora que ele mesmo pode ter praticado a sua própria eutanásia. A Eurolándia, com a esquerda de férias e no poço da melancolia vê como se esfarelam umha após outra as organizaçons operárias e ainda planeiam no ar as ameaças de pôr ponto e final ao direito à greve e ao sindicalismo, como nos EUA , espelho de parvos, se tem feito há assaz tempo. Nom interessa tomar nota da espartana e muito exemplar resistência das forças operárias gregas, com os anarquistas em cabeça. Nom se fixo nem se vai fazer pedagogia política e revolucionária, para que se agora somos consumidores por cima de trabalhadores e súbditos por cima de cidadaos?

Ainda mais engraçado é ver estes dias como os que clamam polo despedimento livre, os que sem empalago criárom 5 milhons de desesperados parados para serem força de trabalho na reserva e assim rebaixar as condiçons laborais dos empregados, os que te botam quando colhes a baixa laboral; botando as maos à cabeça porque nesta greve nom se respeita o direito ao trabalho. Está bem que a patronal defenda o direito constitucional ao trabalho ainda que seja por um dia e para logo seguir deixando sem fogar ou sem vida, através dumha hipoteca, aos trabalhadores de toda a parte durante 364 dias.

É dum patetismo da antiga tragédia grega ver a um governo muito preocupado por chamar-lhe "serviços mínimos" a máxima quantidade de serviços possível para rotular a greve geral do 29 como um fracaso, para, de mútuo acordo com a direita neofascista, converter-se nos social-liberais que podam dizer "en el día de hoy, cautiva y desarmada la clase trabajadora, ha alcanzado la bancocracia sus últimos objectivos lucrativos. Wall Street, 29 de setiembre de 2010". Os mercados ordenam, os cidadaos consomem umha ou outra cor política enquanto levam já perdido em poder aquisitivo o ordenado equivalente a mais dum mês de trabalho ao longo da primeira década do século XXI.

Na instáncia ideológica, ou cultural, o socialismo deve centrar os seus esforços na ancoragem real dos conceitos: como é que os homes desigualmente classificados pola sociedade aceitam a dominaçom política e a exploraçom económica à que estám submetidos? Como o aparecimento da propriedade privada aparece o estado e as classes sociais que, para Lenine, eram "grandes grupos de seres humanos que se diferenciam entre si polo lugar que ocupam num sistema de produçom social historicamente determinado". Aí é onde aparecem as relaçons antagónicas, quer dizer, os interesses incompatíveis que geram estas classes em toda a história das sociedades. Haverá que voltar ao básico...

O discurso social comum, onde a hegemonia é total e absoluta da oligarquia dominante - umha hegemonia inédita em décadas por nom dizer inédita apenas-, modula o horizonte de expectativas social, o de cada indivíduo-consumidor mesmo, e muitas vezes esta "consenso ultraliberal", este grandiloqüênte pensamento único neofascista tem estranhos companheiros de cama. Aparelhos ideológicos especializados que operam na sua instáncia, como partidos políticos e sindicatos, nom reagem contra essa prissom, mas a contrário elaboram e difundem práticas especializadas e representaçons que atentam contra as classes a quem supostamente representam.

Esta hegemonia alia-se à dominaçom exercida polo Estado, totalmente entregue aos "mercados", ao fascismo financeiro, na certeira definiçom de Boaventura de Sousa Santos. Neste par consentimento / obriga exprime-se um macabro equilíbrio que lisca totalmente da necessária regulaçom que nele deve operar a sociedade civil. A luita de classes é objectivamente mais crua do que em décadas, a consciencia mais fraca do que em séculos. O descrédito das pessoas políticas, o recuo da audiência sindicais, a versatibilidade das opinions públicas vam em aumento perante a falta de sindicatos e partidos combativos.

Assim em Eurolándia todo pode seguir "progressando". O liberalismo extremo da UE condenou-na e condenará a bater umha e outra vez o recorde mundial do desemprego do centro capitalista. A sua vulnerabilidade provoca umha anemia social profunda e as reacçons socias canalizam-se pola via do populismo xenófobo e fascizante, tal e como os ciganos, "os judeus de arestora" nos demonstram enquanto segue sem nascer - afora de Die Linke ou o Bloco de Esquerdas- umha esquerda social combativa, a IV esquerda, que desaferroa-lhe os operários e a sua mente, que conecte com a sociedade civil, com a esquerda social e que evite a recente advertência de Beiras de que nom estamos livres de sermos parte do denominado terceiro mundo. Por enquanto, em Melilha, em México, em Paris, em Malta ghettos e muros som erguidos polo novo fascismo social, o totalitarismo capitalista, a quem só estorvava o pérfido muro de Berlim... que lho perguntem aos camponeses russos ou aos trabalhadores letons e estónios se melhorárom ou piorárom com o sacrossanto "livre mercado".

Enquanto os sindicatos vigoram no Brasil, na Coreia do Sul, na China ou na Índia em Eurolándia esfarêlam-se porque nem Marx pudo sonhar para os operários umha vivenda, um automóvel e tantos outros bens duráveis... Mas após o espelhismo dos trinta dourados, semelha que todo volve ao seu rego e que a teoria dos ciclos longos de Kondradiev é mais acertada do que alguns economistas-opinólogos supunham com o seu olfato mustélido.

O sindicalismo actual e a esquerda vive num recuo defenssivo que nom vale, efectivamente, mais do que para recuar. É tempo de avançar, é necessária umha nova esquerda e um novo sindicalismo. A greve concebeu-se como o melhor modo de privar de mais valia, e portanto de lucro, à burguesia para rematar sendo umha marcha de duas horas com bonitas bandeiras e cánticos quase já religiosos. Longe ficam já greves como a dos trabalhadores da construçom da Crunha que espoliados pola CNT ressistírom durante seis meses demandando a jornada laboral de 6 horas e aumentos salariais. Longe a adaptaçom da esquerda a realidade social e histórica em que se insire porque leva as lentes emprestadas dos poderosos. Ninguém se decatou de que esta ou é a greve dos desempregados ou nom será. Num Estado espanhol com desemprego crónico é tam importante chegar à consciência dos trabalhadores como a dos desempregados.

O 29 de setembro nom deixarei de assistir a esta greve. Jogo-me muito aos meus 24 anos e jogam-se muitos as vindouras geraçons. Do velfarismo ao shanganismo nom há tanta distáncia real como a que os mapas nos querem fazer ver. Isso sim, fique às claras que o tempo da greve geral indefinida já há tempo que o marcara o relógio da razom e da história... aguardemos que as agulhas nom estejam já aferrolhoadas, porque nom há mal que cem anos dure... agás o capitalismo e a sua natureza depredadora. Justificar completamente

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Mar adentro... debulhando a palestra de Beiras em Sober

Levo já um tempo querendo repasar os meus depoimentos sobre o que dixo, ou sobre o que eu malamente entendim mais bem, Beiras no nosso I Encontro de Verao. Foi nesse lugar onde as irmás e os irmaos do Encontro Irmandinho passamos umha magnífica jornada de convívio da que agora quero fazer um remake para treinar o caletre neste tempo em que a seitura está já rematada e se aproxima o vigoroso tempo outeiriám que ia entre a vendima e a castanheira.

Artigo completo aqui.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A República Centroafricana: estados falidos... estados esquecidos

Nalgumha que outra cadeia aparecia estes dias que a ONU se ia retirar da República Centroafricana quando está se topa imersa numha longeva guerra civil, praticamente desde que atingiu a sua independência em 13 de agosto de 1960. As truculentas estórias que a populaçom civil conta sobre o seu sofrimento nom difere do narrado por vários autores que tenhem desenvolvido trabalho na África, sobretodo nestes estados falidos. Umha deles, Els De Temmerman, jornalista belga, narrou com amenidade, mas sem tapar a crueza extrema da realidade, a vida das crianças-soldado do Norte de Uganda, concretamente dos fugidos do Exército de Resistência do Senhor, no seu breve romance Las chicas de Aboke, da editora Mundo Negro (2002), editora dos missionários combonianos que conta com assaz material sobre a África.

Voltando à República Centroafricana trata-se dum estado muito pouco povoado cruzado por interesses estrangeiros já desde a sua independência, os quais se reflectírom na criaçom ou avivamento de conflitos tribais, já que, como estado falido clássico, nom atingiu o alvo de espalhar um sentimento “nacional”, apenas a identidade de “raça”. O estado conta com algo mais de quatro milhons de habitantes que se repartem entre umhas 80 etnias, cada umha com a sua própria língua, cuja esperança de vida nom chega a 44 anos e com metade da populaçom que nom tem noçons básicas de lecto-escritura.

Após o 13 de agosto da independência começou umha pugna entre Abel Goumba e David Dacko, sendo este último o ganhador ao contar com o apoio da França, a antiga metrópole. Só dous anos depois Dacko impunha a ditadura com um único partido até que em 1965 cai derrocado pola acçom do seu coirmao Jean Bedel Bokassa, quem suspendeu a Constituiçom e o parlamento e se auto-nomeou imperador ao estilo de Napoleom, com nome Bokassa I, imperador do Império Centroafricano. No entanto, Bokassa foi relevado do poder novamente por Dacko, com o apoio galo, até que mais um golpe de estado ergueu até o poder ao general André Kolingba em 1 de Setembro de 1981.

Até 1985 Kolingba dirigiu umha ditadura. Aprovou umha Constituiçom em 1986 e convocou eleiçons para o seu partido único RDC ao ano seguinte, excluindo-se a oposiçom, polo que as eleiçons livres nom chegariam até 1992, porém Kolingba denunciando irregularidades suspendeu-nas para perpetuar-se no poder. Em 1993 Ange-Felix Patasse ganha as eleiçons – encabeçando o MLPC, seguido de Abel Goumba. Em terceiro lugar ficou o incombustível David Dacko e em quarto lugar Kolingba. Os dous primeiros volvêrom bater-se numha segunda volta em que saiu vencedor o primeiro, mas com o voto muito polarizado por regions (noroeste vs sudeste).

O 14 de Janeiro de 1994 promulga-se umha nova Constituiçom, mas em 1996 e 1997 a tensom étnica e os conflitos sociais recrudescêrom intervindo forças de pacificaçom externas. Patasse revalidou em 1999 o seu governo, mas num estado politicamente descomposto e com múltiplos grupos guerrilheiros activos que planejam a incerteza sofre o futuro do país agora que a ONU quer retirar-se desse estado. Após umha violência ininterrupta em 2002 um novo golpe de estado leva a François Bozizé ao poder, suspendendo a Constituiçom e incorporando elementos da oposiçom como Abel Goumba de vice-presidente. Em 2003 aprova-se mais umha Constituiçom e convocárom-se eleiçons, às que Patasse nom pudo apresentar-se. Na actualidade a tensom tem volto subir porque o governo nega a opçom de novos comícios amparando-se em várias excusas.

Este historial político dá boa conta de por quê é um estado sem apenas sistema educativo, comunicaçons deficiente, sanidade só para umha elite e umha Renda per capita de apenas 350 dólares por ano. A sua estrutura económica é a típica dum território colonizado: umha agricultura de subsistência rodeada de indústrias de enclave, ora de extracçom – diamantes, ouro e uránio- ora de cultivo e exportaçom de produtos agrícolas, para além da madeira que gera transtornos profundos na flora e a fauna do estado. Por todo isto, reitera-se mais umha vez que as missons da ONU só servem aos interesses neocoloniais por mais das vezes, e que se retiram agora quando se segue exercendo umha forte violência sofre a populaçom civil: com violaçons, seqüestros, queima de aldeias...

Na República Centroafricana estes jogos de interesse espúreos tenhem o seu reflexo até na religiom: 20% católicos (com seis bispos nativos e dous estrangeiros), 20% de protestantes, 15% de muçulmanos, 35% de animistas e por volta de 10% pertencem a diferentes seitas, hoje quiçais mais já que os dados manejados som de 2003. As seitas e o islamismo crescem a grande ritmo, talvez como reacçom de defesa perante as agressons “globalizadoras”, a uniformizaçom e a subalternidade forçosa da África no tabuleiro mundial. Se um homem nom tiver filhos da sua mulher pode repudiá-la, seja qual for a sua religiom.

As seitas ligam-se com a bruxaria ou a magia preta. Por exemplo, se alguém é mordido por umha serpe é porque alguém lha enviou e recorre-se entom a um bruxo, algo semelhante ao que acontecia na Galiza pré-capitalista com os bruxos, meigas, arresponsadores e peregrinaçons a capelas de santos dependendo da doença. Com 45 anos um já é bruxo e desde os catorze anos as rapazas já começam a ter filhos.

O deficiente, por nom dizer inexistente, sistema sanitário, tanto na sua dimensom preventiva, como na paliativa; fai que doenças como o SIDA e a malária sejam letais, como letais som os confrontos intestinos que só figérom recrudescer desde o golpe de estado de 2002. Sem um claro ganhador as contínuas guerras civis dividem o país entre etnias e senhores da guerra, ainda bom que nom se chegou aos 2.000.000 de falecidos como em Burundi.

O neocolonialismo, ou talvez deveriamos chamar-lhe ultracolonialismo?, do FMI e as forças de governança global tornárom já fai tempo, como no vizinho Congo, a dívida externa em dívida eterna, a força de empréstimos a governos corruptos, apoiados polos EUA e a UE, que desbaratam os recursos do estado, impedindo qualquer activaçom económica e menos ainda algumha amálgama nacionalitária. Entre tanto, a missom da ONU, que se concetra só no Norte e no Leste do país servindo os interesses estrangeiros. Fica à margem do confronto entre o governo e os grupos rebeldes ainda activos, e dispom-se a retirar-se deixando a populaçom numha prostraçom humanitária total... Mais umha vez o Ocidente é um acidente.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

O abábano

Na image, o que na Galiza se conhece como abelhom, abeouro e besouro. O abábano tem umha figura mais estilizada e é de maior tamanho. Enquanto o besouro semelha-se a umha abelha, o abábano é umha avéspora ou vespa gigante. Noutros lugares da lusofonia, no entanto, o termo besouro fai referência a variados escavaravelhos, desde o besouro brasileiro até cascudas, o escaravelho peloteiro ou, inclusive o que na Galiza denominamos como vaca-loura e que em espanhol se denomina ciervo volante.

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Já ficam poucas folhas para que esmoreça este caderno e topo-me aqui na aldeia sem saber muito que escrever nesta noite de domingo com um abábano zumbando na janela, atraído pola mesma luz que me permite a mim escrever. Abábanos. Tamém lhes chamam e nom devem confundir-se com os abesouros (besouro mais ao sul), mas pequenos e grossos, nem muito menos com a abelha macha, o zángao. Um insecto coleóptero, por vezes quase tam grande como o dedo maininho, que se deixa ver, principalmente, nos ácios de uvas maduras alá polo mês da vindima e nom nos chucha-meles como os seus coirmaos, os besouros.

Se o abábano chegara a esta luz decataria-se que nom é para tanto, mas como provavelmente nunca o faga a luz da lámpada será para o abábano fé, será esperança, será utopia. “A media luz” como aquel tango do Carlos Gardel. A luz da lámpada que empurra a milheiros de subsaarianos a vendê-lo todo, que bem pouco é infelizmente, e dixar a família para entregar-se à máfia, para afogar no mar ou para ficar sem nada perante umha vala em Ceutal ou Melilha, nesse muro da vergonha, coma todos os muros, até os valados das nossas fincas, que coidamos que sempre estivérom aí, mas que nos lembram o refinamento progressivo da propriedade privada a partir do antigo direito gentil e tribal de possessom. Oh a propriedade, essa génese de estórias de injustiça e barbárie na história!

O Ser Humano e a Terra. E talvez mesmo cómico que ande agora matinando nestas cosas quando onte destas horas andava choutando enchoupado em suor na apresentaçom do Castanhaço-rock, umha explosom cósmica do eco dumha palavra quiçais já morta: bravú no ocidente da Galiza, no nosso magulhado interior simplesmente bravio: o cheiro da carne sem castrar. Somos capazes sempre como espécie e como indivíduos do melhor e do pior, de criar monumentos mais perenes ca o bronze e até de autodestruir-nos em estériles confrontos entre estados... Oh o Estado essa caixa de ressonáncia da aristocracia romana e da bancocracia globalizada actual! E por isso mesmo, todavia, as mulheres e os homes somos maravilhosos, já que somos seres elegantemente imperfeitos. Perdoe senhora que nom me levante; cesse tudo o que a antiga musa canta que outro poder mais grande se alevanta!

Manhá colherei as malas e voltarei a minha pétrea capital a iniciar o último curso da licenciatura. Nota-se que me gorenta aquilo. Vive-se bem para que enganar-se. Se podemos somos nugalhaos, até Heracles de quem se contam os doze trabalhos, mas nom os anos que logo descansaria entre ninfas e odres de vinho. Oh os guerreiros! Nom som esses homes que vam armados com uniformes e que venhem em grilheiras levando por diante a velhos, mulheres e crianças. Esses som os inconscientes, os mercenários, os que caminham com as grelhas da escravatura e a servidume sem saberem que as levam postas.. Os guerreiros som as pessoas que se organizam, que agem no médio social em que vivem e que tratam de melhorá-lo, porque tenhem fé e acreditam no Ser Humano como algo maravilhoso. Os que o fam toda umha vida, esses som os revolucionários, que luitam contra as ratas pola utopia dia-a-dia, com a inocência da vontade imprópria dos idosos e dos safados. Os guerreiros som os bons e generosos que ainda sabem o significado de palavras tam viciadas como democracia ou liberdade. Os guerreiros som filhos do povo trabalhador e vam aonde o povo trabalhador os leve, sem soldada, sem que ninguém os compreenda, porque nom é pobre o que decide mesmo ser pobre. A fé no home, a esperança na humanidade e no futuro, a utopia da igualdade e a liberade... a luz da lámpada.

sábado, 26 de junho de 2010

Os outros


Os homes vivem eternamente constringidos polo medo, de tal jeito que um nom sabe se vivem realmente ou se aguardam ocupadíssimos a morte sem nem sequer reparar nela. Dizia o poeta que “vivir es ir muriendo”. O medo é a alma mesma. Temos medo a deixar de ser crianças e enterramos na crisálida da adolescência o conceito – ideia disso que nunca fomos. Temos medo a olhar para a realidade e enxergamo-la apenas literaturizando-a nos nossos cérebros de empréstimo.


O medo é a alma mesma. Medo a hoje, medo a manhá, medo a sermos nós próprios, medo a nom sermos na morte. As religions som a morfina do cancro de pavor. Levo já quase toda umha vida escapando do sona da razom, entre monstros e sombras pretas e magnánimas. Como Goya, como Poe, na impertérrita espiral de gigantes nemovermes atabacados.


Do teito pendura umha luz e vê-se um quadro velho na parede dum branco apagado pola película das humidades invernais. Um moço e seu pai sorrim com umha maçaroca na mao e por trás o verde das altas canas de milho ainda sem escimar dam ao conjunto um toque de exuberáncia frondosa e mística. Mas o quadro que contem essa fotografia nom di nada. As fotografias som a arte do pobre e encarregam-se de fazer perenes images do mais fútil nas nossas vidas. Nada nos dim da relaçom entre esse moço e seu pai, dos seus medos inconfessados nem das suas fobias. Deveriam existir fotógrafos da palavra, mas já é grande o medo dos homes à fotografia como para atrever-nos a tanto. Quando as fotografias dumha comunidade numha época concreta se juntam até semelha que as palavras saem desses marcos acereijados e que as roupas, os gestos e as miradas falam o que nengum livro de história pode contar-nos. Deve ser cousa do demo ou matéria de poetas que captam a essência do mundo lá onde o filósofo e o físico viram as costas.


O home nasceu para a grei, para suspirar polo onte enquanto imagina passivo o manhá. Do hoje nom se decata porque lhe foge como areia entre os dedos. Só alguns, os mais desgraçados e infelizes, vem o manhá nos sonhos. É terrível lembrar-se dos sonhos em cinemática eterna e inquisitorial que nom para de interrogar-nos. É ainda pior interpretá-los como José com o faraom. As fotografias chegam a ser falsas porque o que as contempla penduradas dum naco de parede só pode olhar nelas, as mais das vezes, frivolidade e hipocrisia de famílias imaginadas que nunca existírom... Os sonhos, em troca, som retratos íntimos do que somos e a diferença dos nossos outros excrementos nom podemos tirar da cadeia para atirá-los ao fundo dum sumidoiro qualquer, porque som espectros dessa personalíssima cloaca em que assenta um artificioso e falso ego criado por requintadíssimas convençons sociais.


Só os mortos deixam de sonhar se é que realmente descansam em paz. Eu já nem diferencio o sonho da alucinaçom neste meu mundo de realidade virtual. Esperto no meio da noite, tento berrar sem que saia a voz dumhas paralisadas cordas vocais. O home tem mais medo a que ninguém o ouça do que aos próprios medos, por isso o bom salvage nom é mais do que isso: um formoso mito burguês para crianças – velhas. A vigília e o sono entrelaçam-se. As figuras dos sonhos passeiam polo quarto entre as tebras. O coraçom encolhe-se. O corpo em posiçom fetal, aguarda a que alguém o toque para que revente esse comboio de corda... Os olhos fam força para nom abrir-se e enfrentar-se ao real.


A razom refuga analisar que é no fundo esse grande medo que me espanta. Nom é nada. Quê que é essa figura gigante que chama por mim com a sua atroadora voz que impede poder laiar-me com a minha própria voz? Como criança temerosa acendo a luz para escorrentar as sombras enquanto arde a lámpada de 60w do meu quarto. Nom olhes debaixo da cama. O milho segue verde e o meu riso congelado é parte dum gesto esquecido na crisálida de criança. Esse nom és ti.


Meu deus! Ou enfrento isto ou é a fim! Ou venço estas sombras, esta sombra criminosa, ou eu próprio me esvaeço succionado a um incerto e desconcertante poço- negro. Somos escravos dos nossos medos e por isso nos encadeamos aos demais. A valentia é a mais fingida das expressons humanas. Jogamos a deuses sem passarmos de bezerros de latom. Nom abras o armário.


Um dia, outro dia. Hoje nom se prenderá a luz. Amarás ao teu pai e a tua mai. Estou sentado numha cadeira qualquer. No protótipo mental de cadeira. Na cadeira abstraída de entre todas as cadeiras do mundo, na cadeira irreal com a que toda via olho e identifico toda as cadeiras rurais. Pensa em cadeira. Quatro patas. L. Madeira. 0 e 1. De frente um home negro dá-me a escolher entre umha pílula azul e outra vermelha. Entre a morfina e o Morfeu, entre sonhar esperto ou espertar sonhando. Hesito e suo, com a condensaçom pola janela entra apenas umha mancha de luz da rua. Vejo novamente o grande monstruo e começo a fotografar a sua contorna e compondo o creba – cabeças reconheço a sua voz. Olha ti que era. Tenho medo.


A azul ensina-me um grande carro desportivo dalgum anúncio. Quiçais o carro oficial do Mundial de futebol da África do Sul 2010. 0 e 1. Sai umha VISA que converte um home magro e grosso num ídolo polo que todos torcem, tal o deus Cristiano, tal o deu Marx. O Groucho Ronaldo, claro. A mulher – conceito de que todos os homes se namoram sem nengum casar-se nunca com ela – porque é a cadeira protótipo que só existe na abstracçom – senta ao meu carom no carro. Eu chamo o carro por ruas nunca navegadas em que campam os novos e grandes prédios, onde todos olham a garota e o carro com a inveja de ver um triunfador. Era um escravo a um carro colado. Eram caixas russas superlativas. Com certeza o azul é a pílula da razom, da vigília, do sucesso... a que me sandará de premoniçons, alucinaçons e sofrimentos. A que substituirá o medo e a noite pola luz, o balbordo, o colesterol e o frenético decorrer dumha vida vivida numha TV.


A grande massa emerge agora nítida e puxa ao home negro. A azul cai. 0 e 1. Volvem as sombras, xoto com suores a terrível dor de comprovar quem é o monstro: som eu, eu mesmo, só eu; em sonhos som o meu próprio pesadelo, o meu mais terrível medo... como é possível? Quê é que me causa perder a consciência e a razom? Por quê é que eu mesmo chamo por mim próprio? Talvez haja umha parte de mim por acaso que ainda nom nasceu porque o ditamem dos outros lhe impede florescer?


O pano cai. Acordo cedo com a primeira raiola de sol. É véspera do solstício de verao. As nuvens fôrom-se do céu e a chuva remeteu. Retomo compulsivamente as folhas deste diário no limbo e a confusom do real e o imaginado. Cheira a sol em todas as janelas do mundo. Desconheço-me. Procuro nos meus escassos livros algum de psicologia freudiana. Rem se achega as minhas misérias nem remotamente. Nom me lembrava de dormir tam bem em anos.


Todo está em orde, na mesa-de-noite um pacote de lenços, o caderno e umha caneta. Por trás umha foto dum dia importante para mim. Na parede um quadro da Liberade de Delacroix, a única possessom que me fica após arder os livros, sorri com concupiscência. Sinto-cho bem amiga, daquela nom havia carros último modelo nem príncipes azuis coma mim. Ceivo umha gargalhada escandalosa, compulsiva e nerviosa. Sayonara baby. Mamá bate na porta e chama por mim forçando a voz para passar por cima da do televisor. Ergue. Vamos. Hoje é o primeiro dia de escola. Já, nom quere que eu, digo os outros, cheguemos tarde. O rapaz abandona o quarto, no chao umha maçaroca ainda verde e fresca fica esquecida.


terça-feira, 8 de junho de 2010

A nova atracçom de Eurolándia: a Hungria



O fascismo financeiro nom colhe em si de contente. Os responsáveis da nova atracçom de Eurolándia anunciavam a abertura iminente dum novo cenário para continuar com o saqueio da classe trabalhadora que permita ao fascismo financeiro continuar a acumulaçom por privatizaçom. Nom se esperam no horizonte, afora a Grécia, que a luita de classes arda Eurolándia. Mas a pantasma é evidente que volta com a estadeia da ilustraçom do socialismo científico.

O representante do governo ultranacionalista e conservador, eleito em Abril, advertia que a gestom anterior do socialdemocrata Gordon Bajnai deixara o Estado ao borde do abismo e dumha suspensom de pagos. Mais lenha para umha banca europeia que volve estar como quando começárom os resgates e as “socializaçons das perdas”. As entidades nom se fiam entre elas porque se sabem todas igualmente podres. Aliás, o facto de que a “economia real” está em crise aguda e os deficit públicos polas nuvens nom permitiriam aos olhos dos “mercados” voltar mais umha vez resgatar a banca e recomeçar com um novo ciclo de encloussers, privatizaçons, e “ajustes” do FMI e as suas receitas de pokereconomia.

A cadeia retroalimenta-se. O BCE tem recorde de depósitos, o crédito ao capital-industrial e as economias domésticas nom chega e a recuperaçom ecómica que se anunciava iminente pospom-se cada vez mais. A UE tem, polo menos, para umha década e os focos dos ataques dos “mercados” preparam-se para umha redistribuiçom cara as classes altas com os programas de “austeridade”. O Reino da Espanha está numha situaçom mais do que delicada. As instituiçons de governança global solicitam mais e mais recortes que só inçam o endividamento privado e pejam a recuperaçom. Nom é por acaso que o anúncio de Viktor Orbán, primeiro ministro da Hungria, de que o deficit chegaria a 7'5% (face ao 3'8% previsto polo FMI) disparou os seguros que cobrem a dívida húngara até 23'7%, até os 392'3 pontos. O mesminho do que no Estado espanhol. Dá igualmente que pensar que o Ibex caíra após o anúncio 3'80% e que sustente esta semana essa caída, ou seja, o Ibex caiu por cima ainda do país que anunciava a sua falência: terá algo a ver que a Hungria tem moeda própria e o Reino da Espanha nom?

Trichet e o BCE seguem, contodo, na montanha russa de Eurolándia sem decatar-se de que todo arde arredor. No seu último informe afirma que o deficit é o problema na linha da austeridade. Nom se decatam, ou se se dam de conta desonestamente negam-no, que cada vez que os “mercados” sacodem as bolsas o capital da banca europeia reduze-se e os títulos emitidos por falha de “confiança” nom os merca nem deus. Novamente o ultraliberalismo teme morrer com o euro, o melhor que nos pode passar por certo, já que é evidente que a banca procura umha nova “socializaçom das perdas” perante a falha de solvência. Aqui está o doestado capital público, aqui as naçons de súbditos esperando para tapar os buracos do fascismo financeiro. Vam ganhando a partida: nem taxa Tobin, nem taxa Robin Hood, nem farrapos de gaitas. Aqui o Bilderberg e a oligarquia mundial correm para nengures com a segurança de que a acumulaçom por desposessom dos europeus é a única saída. Um capital já excessivamente concentrado que necessita de fusons e de solvência para quando entre em falência a indústria, a pequena indústria e as empresas públicas fazer-se a preço de ganga com todos despojos. As elites EUA olham refregando as maos para a Europa, aqui implementam-se medidas que lá evitárom e nom por acaso.

A irracionalidade é umha componhente essencial de todo fascismo, nom o ia ser menos no fascismo financeiro. A crise estrutural está relevando como hai umha carreira frenética paralela a que se estabeleceu em 1929. Um salve-se quem poda no capital-financeiro que vai ampliando as turbulências numha espiral que ameaça com abrir a pior depressom económica na Europa dos últimos setenta anos.

Longe ficam as vodas de ouro e mel entre o FMI e Gordon Bajnai quando escrevia esta carta:

Budapeste, 4 de Março de 2010. Caro senhor Strauss-Kahn: O significativo fortalecimento das políticas durante o último ano e meio situárom com firmeza a Hungria no vieiro para a estabilidade e o crescimento. As vulnerabilidades macroeconómicas reduzírom-se por médio dumha melhora da estrutura fiscal, um aumento da supervisom bancária e oportunas injeçons de capital para apoiar o sistema financeiro. Como resultado a confiança empeçou a regressar e a economia está rumo à recuperaçom.


A queda da Lehman Brothers sumira num terramoto a Hungria e o FMI injectou entom 12.300 milhons de euros a prazos, dos quais os dous últimos nom se empregárom polo que o montante desceu até 8700 milhons. Mas, por quê isto afectou tanto ao Reino da Espanha? O Ibex segue o ronsel dos movimentos da Telefónica, o Santander e o BBVA. A imobiliária Sacyr Vallermoso caiu o dia do anúncio 7'73% devido a que mercou solares no centro de Budapeste na sua aposta por diversificar mercados perante a sobreproduçom do mercado interno espanhol. Por certo, Fadesa, já atafegada de dívidas e problemas, tamém apostara por esse mercado. O BBVA e o Santander nom tinham apenas dívida húngara, mas si espanhola na solvência da qual confiam cada vez menos os inversores do fascismo financeiro.

Por enquanto, o Banco de Espanha segue avante com a bancarizaçom das caixas através do FROB para que passem a maos privadas em quanto for possível e deixando em evidência a esquerda galega, enquadrada ainda despois de todo dentro do consenso ultraliberal que a esquerda nom é quem de rachar. Um pergunta-se se as entidades que som saneadas com recursos do Estado nom deveriam pertencer ao conjunto da cidadania conformando umha grande banca pública que resgate a quem realmente o necessite: a classe trabalhadora e as pequenas e medianas empresas do Reino da Espanha.

Pois, nom. Em Eurolándia a “austeridade” conduze para umha refeudalizaçom onde a cada vez mais grande reserva de mao-de-obra permitirá aos senhores que os seus servos trabalhemos mais horas, por menos quartos e com as mínimas medidas de cobertura social. Nom tem a esquerda a obriga de exigir umha renda básica universal para a cidadania que evite esta espiral do fascismo financeiro agora que o Estado espanhol já conta com 10 milhons de pessoas vivendo por baixo do umbral da pobreza e o mercado do emprego negro polas nuvens? Esperamos, contodo, contra toda esperança, aguardando que esta contraofensiva do capitalismo na sua vertente ultraliberal esta descarnada luita de classe permita umha conscienciaçom social que lhe faga frente ao fascismo financeiro. Como rezava um almanaque laboral que caiu estes dias nas minhas maos: Non hai mal que cen anos dure... menos a CNT.