Palavras novas e velhas

quarta-feira, 30 de julho de 2008

A enfermeira mirava de esguelho para as duas mulheres que acompanhavam à Eutímia, após calmar-lhe a dor com morfina, a droga da morte. O ruído das chancletas daquela quase recém graduada ouvia-se por cima dos besbejos apenados da duas mulheres e um home já co cabelo encanecido botava umha vista de olhos através dumha janela de dimensons jeitosas.
A Eutímia escoitava sorrindo o que umha das mulheres lhe ia dizendo. Figem-che um quarto-de-banho e merquei-che umha cozinha económica, contava-lhe; enquanto, ela enxergava cos olhos da imaginaçom a sua casinha em Monterroso, longe, moi longe daquel hospital de Vila Garcia onde o branco só era a cor de agulhas, dor e morte e onde um bafo pesado e tépido incidia na presença continuada da perturbadora portadora da gadanha.
Lembrava, coa morrinha de que se sabe vencido, a sua casinha e a sua infáncia nas florestas do interior da Galiza, onde coidava do seu irmao, menor do que ela, que desde moço padecera umha enfermidade psicológica. A sua entrega nom lhe permitiu procurar o seu vieiro, a sua felicidade. Quem é que agora coidaria del? Sobreviveram com duas paguinhas e nom sabia quem lhe ia pagar o passamento até, mas sorria quando a sua vizinha lhe contava os arranjos que lhe figera à sua morada. Todos necessitamos acreditar em algo para seguir loitando e os sonhos eram a corredoira infinda pola que bulia deixando atrás o medo à morte. Os sonhos e a memória como áncora coa que amparar-se perante o furacam da vida.
Nos últimos dias, a dor era insuportável até e sentira já achegar-se o final dos seus dias. Quijo testar o que nom tinha e perante umha cruz deitou as suas derradeiras bágoas, tremendo coma um vimeiro de medo, e mesmo hai quem di que pediu perdom, pois seria ela merecente do inferno? Nom matara e sempre que a deixárom contara verdade. Nom roubara e o pam sempre lho arrincara à terra coa suor, procurando os poucos leiros que tinha, atendendo a casa e servindo em casa de quem a olhava por cima das ombreiras. Nunca desejara o que nom era dela e quase nom tivo tempo de querer buscar a sua felicidade por entregar-se aos demais, pois coma a Nina galdosiana de Misericordia passara polo caminho da vida cumha integridade moral que tam só se atinge quando um nom tem mais propriedade que o seu próprio coraçom.
Nom acreditara em nengumhas siglas endejamais e recebera de seu pai a doutrina do amor e o anarquismo. Sob o franquismo partilhara o seu pam com outros vencidos coma ela, “os bandoleros”, e mesmo chegara a pedir esmola para eles puderam mercar as balas que lhes permitiram guardar a pelica frente as forças repressivas. Na Transiçom ninguém a chamou para ser mai da Constituiçom da II Restauraçom bourbónica, porque numha sociedade de machos só pode haver “padres”. Nom votou um texto que pariram os mesmo que assassinaram a seu pai numha coneta, como tampouco o figérom 55% dos galegos. Nom acedeu a chantage entre ditadura ou democracia de baixa intensidade com toda a esquerda ilegalizada agá a castrada polos dogmas do eurocomunismo e a refundada para a ocasiom no Congresso de Suresnes (1974) pola social-democracia alemá e a CIA. Ela nom formara parte de nengum consenso “entre españoles” já que nem era burguesa, nem terratenente, nem empresária, nem pactista, nem “tecnócrata”, nem cria na naçom espanhola... era ninguém, umha cifra num naco de papel coas siglas “DNI”; mao de obra fornecedora de plusvalor.
Ninguém na “reconciliación nacional” lhe pediu perdom por metê-la no cárcere e rapar-lhe a cabeça. Ninguém lhe dixo que a língua da que renegara, “porque los hijos de los señorios tienen que hablar bien”, era na que alguém se lembraria dela; um outro vencido, um morto em vida, que, no entanto, prefere vagar assí polos caminhos a traiçoar o ronsel que vós, loitadoras e loitadores galegas, abristes por meio do combate social e o exemplo cívico de solidariedade que as vossas acçons impugérom, a vossa ética de esquerdas. Vós acreditastes numha outra sociedade e numha outra Galiza, ainda que o nosso nome, infelizmente, nunca aparecerá nos livros do império, porque os grandes heróis só aparecem nos ecos épicos da vitória... e os tempos Eutímia, Adela, Rodolfo, Maria, António, Rosalia, Rafael, Ugia, Afonso Daniel, Ugia, Alexandre, Maria, Ramom, Manuel, Henriqueta, Anxel, Joám Vicente, Tareixa, Celso Emílio, Sabela, José Manuel, José Luís, Ricardo... serám chegados.

Sem comentários: